O que fazer com as nuvens?

16 Março 2017, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

1º Módulo: Nuvens

Aproveitámos uma aberta no céu visível do jardim de entrada do edifício central da Faculdade para irmos fazer uma observação de campo. Sentados ou de pé olhámos em várias direcções. Tomámos o nosso tempo sem pressa de concluirmos o que quer que fosse. Estávamos apenas ali. Por cima de nós o céu, munido de cumuli e strati, as mais vulgares formações de nuvens que nos visitam, não tinha esplendor. Esparsos tons de azul, cuja gradação um cianómetro com facilidade mediria, criavam zonas de referência para o que se iria seguir. Sobre nós amornavam-se formas indistintas, com fraca variação de colorido. Era preciso escolher, talvez, uma outra perspectiva ou ângulo de observação. O que nos poderia interessar? A direcção das nuvens, a velocidade a que se moviam, o relacionamento entre elas, as tonalidades que iam adquirindo, o efeito que sobre nós exerciam. Constatámos em conjunto que aquele céu não tinha uniformidade nem sobre nós se abatia como uma massa de água ou gelo densos e opacos, aquilo a que familiarmente chamamos um capacete.

O que víamos então? «Seres vivos», diria Goethe, que se deslocavam de sudeste em direcção a nós (à nossa posição como observadores) e que articulavam entre si um lento movimento, davam-nos uma composição, tão abstracta quanto as que Kandinsky concebeu como pintura mas sem as cores vibrantes que lhe eram características. Em sobreposição deslocavam-se essas nuvens e entre si interagiam. Como nós que estávamos ali? Certamente que não. O que as compelia era uma dinâmica natural que poderia transformar-se nos minutos seguintes, mudando-lhes o rumo, suscitando-lhes outras formas. Devido ao ângulo em que nos colocáramos era possível registarmos visualmente um céu em profundidade, serenamente inquieto. Fizemos pequenas deslocações, rodámos a cabeça à procura de uma qualquer novidade que nos pudesse assistir como ideia, como discurso. Não nos exaltámos porque a beleza daquele céu com nuvens não era excepcional. As nossas expectativas sabiam com o que contar. Mas é provável que alguns se tenham sentido íntimos das nuvens e que em silêncio com elas tenham mantido diálogo. Outros provavelmente não, tal era o barulho circundante da cidade em fim de tarde.

Ao regressarmos à sala de aula já não éramos os mesmos que dela tínhamos saído. O que fizéramos em conjunto complementava o nosso trabalho ao longo de semanas, através de leituras e discussões, visionamentos em diferido, experiências e contributos de outros. Cruzámos Ciência em laboratório, Artes Plásticas, Literatura, Cinema, Música. Teremos ainda a oportunidade de relacionar dança com nuvens, um modo singular de apreender e integrar o mundo natural no corpo artístico.

 

Leituras recomendadas:

BUZZATTI, Dino 1994, As Tentações de Santo António in: A Queda da Baliverna, Lisboa: Cavalo de Ferro (esgotado), pp. 197-203.

GOETHE, Johann Wolfgang von 2003, O Jogo das Nuvens, selecção, tradução, prefácio e notas de João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 9-84.

PRETOR-PINNEY, Gavin 2007, O Mundo das Nuvens – História, Ciência e Cultura das Nuvens, tradução de Sofia Serra, Cruz Quebrada: estrelapolar.