O Hitchcock inglês e as estratégias da comédia para complexificar o "thriller"

1 Outubro 2015, 16:00 Mário Jorge Torres Silva

Breve introdução à obra cinematográfica de Alfred Hitchcock no período inicial na Grã-Bretanha, entre as experiências do mudo, com influências do Expressionismo Alemão, e os grandes thrillers executados na década de 30: a criação de estilo expectável, condicionando a recepção dos espectadores, com sublinhado nas técnicas do suspense; para uma compreensão da estratégia da autorrepresentação, a partir de The Lodger (1927), no início por razões basicamente económicas de suprir figurantes; a progressão dos cameos do mestre, cada vez mais indispensáveis e colocados perto do início do filme, a fim de não distrair a atenção do espectador; o pretexto ou o McGuffin como modo de complexificar a relação entre a audiência e o filme - o lado artificial desse contexto pretextual e o jogo forçosamente criado pelo seu progressivo virtuosismo.

Início do visionamento comentado de The Lady Vanishes (Alfred Hitchcock, 1938): a possibilidade da divisão do filme em três partes (segundo alguma crítica, actos, como se de uma peça de teatro de tratasse); o início da narrativa (quase meia hora) num registo que desafia as expectativas geradas pelos thrillers hitchcockianos - o de uma comédia, quase uma comédia screwball, em se ilude a construção de um mistério; a banda sonora e os silêncios - a importância em filigrana, desde o início, da música, tantos nas melodias pseudo-folclóricas, como na função das danças, uma espécie de trompe l'oeil que se vai desfazendo à medida que as ameaças se adensam; a primeira evidência do estilo Hitchcock no plano em que o cantor de rua é assassinado; o uso de uma babel linguística num local não determinado, escondido sob um nome ficcional, Brandyka; a apresentação das personagens principais feita paulatinamente, ao abrigo dos estereótipos próprios da visão do inglês típico no estrangeiro, desde a velhinha aparentemente inofensiva até ao par de fanáticos do cricket, passando pelo conspícuo casal adulterino, tudo construído em pinceladas largas; o ataque à velha Miss Froy, com a queda do pesado vaso de flores, imediatamente antes do início do segundo acto,  inteiramente organizado no microcosmos de um comboio que atravessa paisagens previamente filmadas e projectadas em back projection; as evidências da falta de recursos de produção na découpage das sequências ambientadas no interior do comboio.