A comédia popular da Ealing e a tradição teatral da "black comedy"
5 Novembro 2015, 16:00 • Mário Jorge Torres Silva
Os cruzamentos complexos entre a comédia de costumes e o thriller: as origens da black comedy e a persistência do chamado humor negro, tanto na literatura inglesa, quanto nos palcos vitorianos e eduardianos; a importância da formação teatral dos actores que vãoo dar corpo a esta tradição específica, ligada à exploração do nonsense e a uma certa visão absurdista da vida e da arte; a autorreflexividade da comédia negra, questionando a sua própria razão de intervir, de modo quase abstracto, na configuração do real.
Início do visionamento comentado de The Ladykillers (Alexander Mackendrick, 1955): o uso sistemático de cenários rigorosos, em que o estúdio constrói uma alternativa verosímil ao real urbano, e de estereotipadas personagens cómicas, como a velhinha aparentemente inofensiva ou o bandido desastrado; a inversão das expectativas e a inserção de pormenores de decoração vitoriana nos interiores; para uma comédia da classe média e para a classe média; a fina ironia na definição de personagens e o sarcasmo a delimitar uma visão demolidora da sociedade britânica do pós-guerra; a marcação quase teatral dos tempos de comédia; a violência surda dos confrontos entre personagens, pontuada por momentos de extrema violência física, embora por vezes parcialmente elidida; a importância da montagem e do fora de campo.
Breves notas comparativas com a recente versão americana (Joel e Ethan Coen, 2004), destacando o lado absolutamente epocal de uma comédia dificilmente transferível (mesmo que o cenário permaneça britânico) e actualizável.