"42nd Street" (Lloyd Bacon e Busby Berkeley, 1933) e a instituição de um estilo coreográfico especificamente fílmico

29 Setembro 2015, 14:00 Mário Jorge Torres Silva

Conclusão do visionamento comentado de 42nd Street (Lloyd Bacon e Busby Berkeley, 1933): a construção a par e passo do espectáculo musical, com a noção clara de palco e de profundidade de campo; a progressiva solidão do encenador, figura condutora do espectáculo e metáfora radical do criador isolado no seu próprio mundo; a alternância das peripécias cómicas com fortes, embora subtis, remissões para o mundo complexo das dificuldades trazidas pela Grande Depressão, no auge da visibilidade em 1933; a relevância da diferente escala de planos nos esboços sucessivos de campo/contracampo; a escassez dos números musicais remetidos, ainda para mais, para o final climáctico como razão para considerar o filme o mais integrado dos backstage musicals da Warner Bros, neste período de glória que medeia entre 1933 e 1935; a função fulcral do número "42nd Street", não apenas pela coincidência titular, mas também por um espécie de simulacro do real, integrando a dança numa reconstituição aparente do quotidiano de uma rua de Nova Iorque, com cenas de violência e morte, enquadradas na fantasia coreográfica, concebida em termos de apoteose final; os efeitos de limitação de palco em "Shuffle off to Buffalo"; o número "Young and Healthy" claramente entre as verosimilhanças do palco e as pirotecnias típicas do estilo Berkeley com os picados verticais ou os vertiginosos travellings entre as pernas das bailarinas; a obrigatoriedade de uma assinatura dual pela diferença estilística entre os números musicais, especificamente fílmica, em que a câmara coreografa e delimita o olhar, e a acção ficcional entre o cómico e o trágico, da responsabilidade de Lloyd Bacon.

Breve visionamento comentado do número musical "Pettin' in the Park", de The Golddiggers of 1933 (Mervyn LeRoy, Busby Berkeley), o terceiro "volume" de uma possível trilogia do anos de 33: o desafio à censura pela nudez desafiante, representação da autoridade sobre patins ou inclusão do casal negro, bem como do amor na terceira idade; vestígios de pedofilia na figuração da criança, interpretada por um anão, que se confronta com as pernas e os corpos das bailarinas; o arrojo do final do número em que as mulheres se encontram envoltas em armaduras, uma espécie de cinto de castidade, que os homens "abrem" com um abre-latas fornecido pela azougada criança.