Sumários

"Man's Favorite Sport" (Howard Hawks, 1964): o último fôlego clássico da "screwball comedy"?

17 Dezembro 2015, 14:00 Mário Jorge Torres Silva

Para uma mínima delimitação genológica da comédia cinematográfica: a comédia física, de gag, designada na tradição americana por slapstick, embora a crítica francesa utilize muitas vezes a denominação de burlesco, sobretudo para englobar os filmes dos mestres do Cinema Mudo, Charlie Chaplin, Buster Keaton ou Harold Lloyd; a comédia sofisticada, sobretudo inspirada na tradição europeia, vienense ou francesa, tendo como paradigma indiscutível o cineasta alemão Ernst Lubitsch; a comédia romântica mais centrada no triunfo do masculino, de certo oposta à comédia "screwball" que privilegia a guerra dos sexos, a força das mulheres, a velocidade do débito verbal e o absurdo da soluções sociais.

Conclusão do visionamento comentado de Man's Favorite Sport (Howard Hawks, 1964): a alternância entre a ordem e a desordem, introduzida pelo acaso, pelas contingências de um mundo enlouquecido, pelos diálogos velozes e incontroláveis; a importância do espaço microcósmico do acampamento, ocupado pelo concurso de pesca; a discussão profunda da capacidade de correspondências ás expectativas de uma actividade socialmente aceite; a imponderabilidade das condições meteorológicas na base de um epílogo inesperado e anarquizante; as oscilações da acção cómica reforçadas pela montagem e pela elipse; o lado politicamente incorrecto da comédia "screwball"; o filme como hipótese de um último fôlego possível para um género que atinge o seu auge como reacção escapista à Grande Depressão; a inclusão inesperada dos dois comboios que chocam a grande velocidade a preto-e-branco, como metáfora do beijo, revelando a inventividade renovada de um género "fora de moda".


Howard Hawks, mestre incontestado da comédia "screwball"

15 Dezembro 2015, 14:00 Mário Jorge Torres Silva

Howard Hawks, apesar de encontrar na década de todas as comédias, a de 30, forte competição em cineastas como Frank Capra, Gregory La Cava ou Mitchell Leisen, assina, na referida década, duas das referências da comédia "screwball", o fundador  Twentieth Century (1934) e a (porventura) obra-prima do género, Bringing Up Baby (1938). Mais do que isso, persiste, nas décadas seguintes, com His Girl Friday (1940), Ball of Fire (1941), I Was a Male War Bride (1949) ou Monkey Business (1952), para já não mencionar a comédia musical, Gentlemen Prefer Blondes (1953)

Início do visionamento comentado de Man's Favorite Sport? (Howard Hawks, 1964): a possível réplica do par Cary Grant / Katharine Hepburn na dupla formada por Rock Hudson (depois do sucesso das comédias românticas com Doris Day) com a azougada Paula Prentiss; o uso do gag físico, típico do burlesco, repetindo inúmeras relações com o absurdo (o urso que anda de bicicleta ou a pesca com as calças) e desenvolvendo um lado francamente sádico da "screwball" - o braço de gesso despedaçado a golpe de broca; os cruzamentos irrisórios com um Western caricatural, pelo uso do índio que tenta vender recordações; o domínio excessivo do feminino na tripartida presença das mulheres que submetem o protagonista; a subversão possível do "sonho americano" da especialização das capacidades, pela intrusão de um instrutor que nunca pescou, nem sequer sabe nadar.


"Psycho" (Alfred Hitchcock, 1960): uma grande viragem no "horror movie" enquanto género

10 Dezembro 2015, 14:00 Mário Jorge Torres Silva

Brevíssima introdução ao Horror Movie, desde os monstros do Expressionismo Alemão, desde sempre altamente influente na obra de Hitchcock, até à fase de ouro do cinema americano nos estúdios da Universal dos Anos 30, passando pelo gótico literário (e cinematográfico) que marca filmes como Rebecca  (1940) ou Under Capricorn (1949). A concepção de Psycho como uma viragem temática e estilística, de certo modo antecipando um novo género (ou melhor, um subgénero), o slasher , que vai sobretudo emergir nos anos 70, com filmes como The Texas Chain Saw Massacre (Tobe Hooper, 1974) ou Halloween  (John Carpenter, 1978), centrado assassino em série, basicamente apresentado como um psicopata.

Conclusão do visionamento comentado de Psycho (Alfred Hitchcock, 1960): a definição do assassino como um perturbado psicopata, obcecado com imagem castradora da mãe, de cuja morte violenta foi responsável, resultando na criação de uma dupla personalidade que não distingue o real da loucura; a plural utilização de pormenores macabros (de origem longínqua nos excessos do Grand Guignol) como esqueletos, formas coleantes deixadas na cama, perucas, o brandir de punhais, caves e, sobretudo, a grande mansão estereotipada, como ameaça surda, por detrás do motel; a utilização criteriosa de uma banda sonora, para orquestra de cordas, sublinhando a angústia das peripécias e subindo de tom nos momentos mais ameaçadores; os pássaros empalhados como metáforas de morte tornada presença; a dimensão explicativa do final, datando um pouco a relação do filme com uma visão escolar e limitada do uso da psicanálise em cinema; a passividade de John Gavin na segunda personagem masculina e a força de Vera Ellen (a irmã da vítima, interpretada por Janet Leigh), conferindo-lhe perturbantes configurações masculinizadas (dimensão que o remake / palimpsesto de Gus Van Sant, de 1998 tornará mais clara); Tony Perkins e o duplo papel de filho e travesti da mãe, demarcando uma especialização que ficará doravante ligada à sua persona de actor.


Feriado

8 Dezembro 2015, 14:00 Mário Jorge Torres Silva

Não houve aula por ser feriado religioso.


Alfred Hitchcock do "thriller" ao terror

3 Dezembro 2015, 14:00 Mário Jorge Torres Silva

Breves considerações sobre a longa carreira cinematográfica de Alfred Hitchcock, sobretudo a partir de 1940, quando se desenrola no interior da indústria, em Hollywood: do gótico de Rebecca (1940) ao divertimento auto referencial de North by Northwest (1959), passando pela dimensão meta-cinematográfica de Rear Window (1954) ou pelas complexidades psicanalíticas de Vertigo (1958); o aprofundamento do thriller, criando o efeito de suspense sobretudo a partir do quando e como se resolve a peripécia, não funcionando enquanto interrogação sobre quem comete a infracção, numa inversão de expectativas da crime story, em que o espectador tem papel interveniente; o mcguffin como pretensa pista pretextual; o tema quase obsessivo do "falso culpado"; a recepção da crítica francesa dos anos 50, transformando-o num indiscutível autor e não num criador industrial de best-sellers.

Início do visionamento comentado de Psycho (Alfred Hitchcock, 1960): a insistência inesperada no efeito da surpresa final como motor da acção, criando uma gigantesca campanha publicitária para impedir que se quebrasse tal efeito; a importância da fotografia a preto-e-branco para emular a série B e os clássicos de terror dos anos 30; a integração do gótico na presença ameaçadora da casa fantasmagórica; a possível divisão do filme em duas partes, cedo matando a protagonista; o virtuosismo de montagem e de pluralidade de planos na sequência fulcral do chuveiro; o acentuar de coordenadas sexuais e escatológicas, desde o arrojo da sequência inicial, desafiando o código Hays no que respeitava ao adultério explícito até às sugestões de homossexualidade de Norman Bates, passando por pormenores como a placa do carro com as letras ANL (leia-se anal) ou furo na parede do escritório, propiciando o voyeurismo da protagonista que se despe na cabina do lado, ou ainda a filmagem (pela primeira vez numa grande produção hollywoodiana) de um picado sobre uma sanita aberta.