Arte e política Professores Sérgio Mascarenhas, Alexandre Pieroni Calado, Pedro Florêncio
8 Março 2021, 14:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
MARÇO 2ªFEIRA 6ª AULA
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Gostaria de destacar a grande e aguda participação de professores e alunos durante o desenvolvimento deste módulo programático.
Na aula desta 2ª feira foi crucial para o debate do pequeno ensaio apresentado por Bruno Piva sobre o módulo Kandinsky e que nos levou à discussão sobre a ideia de arte pela arte, de arte como cometimento ético-pedagógico, de arte como pátria absorvida, de arte como temperamento, de arte como comprometimento, de arte como reconfiguração.
De Gret Palucca temos mais textos e imagens do que videos que nos possam esclarecer sobre a evolução da sua arte ao longo dos muitos anos que viveu. Há alguns filmes, mas de acesso restrito. Dedicada à pedagogia da dança e ensinando várias gerações, Palucca dançou na Bauhaus de Dessau e em muitos outros lugares na Europa central e do sul antes do período do nacional-socialismo. A sua capacidade criativa, entre os anos de 1927-28, levou-a a designar as coreografias que apresentava como improvisações técnicas. Talvez possamos entender o significado da expressão se considerarmos alguns dos seus curtos textos que tivemos oportunidade de ler e comentar em aula, como por exemplo, Abstracção na dança (1923) e Expressão inibida (1924), embora anteriores ao período acima referido, mas concomitantes à experiência artística com Kandinsky e Rudolph.
A designação improvisações técnicas pode perfeitamente caber na compreensão dos textos que Palucca escreveu entre 1922 e 1924, do ponto de vista do uso de uma linguagem adequada à expressão e notação da então dança moderna. O que nelas não se torna perceptível é o improviso, que é afinal aquilo que melhor caracteriza a artista nesta fase. Nenhum dos textos mencionados, e outros, deixa transparecer a leveza e a elasticidade do seu corpo arrapazado nos inúmeros e inesperados saltos que expressam a sua força muscular e curiosamente aquilo que os espectadores mais apreciam. De certo modo não podemos exigir que o improviso seja alvo de um desenho coreográfico previamente estabelecido e que afinal responda por uma matriz específica que enuncia a dança de Palucca desde sempre. Aquilo que aparentemente é inesperado e invulgar não o é de facto pois faz parte da sua natureza e carácter.
As improvisações técnicas passam a fazer parte dos programas de apresentação ao vivo, sendo igualmente treinadas na Escola de Dança em Dresden. As alunas de Palucca são convidadas a expressar, à maneira de cada uma, o que é motivação própria e que não replica o que a coreógrafa executa. O que Palucca incentiva é a descoberta e o aproveitamento daquilo que estrutura cada ser e lhe é inerente. Recordemos as suas palavras: «A dança é uma questão de intuição. Hoje mais do que nunca. O bailarino livre não cria a partir de uma tradição estabelecida, nem de música composta para esse propósito, nem de um acontecimento exterior, mas a partir de si mesmo.
Existe uma necessidade interior de dançar, não sabemos de onde vem. Se ela existir, não temos escolha a não ser seguir a compulsão.» (Palucca, 1934: Pensamentos e Experiências)
Nem todos os críticos de dança da época partilham o gosto por esta arte do corpo que se joga entre tensão e distensão ampliadas e que tornam extensível a sua prática ao acompanhamento musical, integrando ele motivos provenientes de vários géneros como o Charleston ou o Jazz. (Stabel, 2019: 45)
É de 1928 o testemunho que aqui reproduzo e que foi publicado em jornal berlinense: «O que costumava ser um compromisso jubiloso com o corpo, a força e o ritmo parece agora um pouco blasé, doentio. Tem um cheiro forte a boulevard, são fragrâncias perecíveis de <haut goût> que não são dignas de uma Palucca. Isto deixou de ser dança, isto passou a ser um número de gladiadores! Um número de circo! Efeitos espectaculares! Esplendidamente com meios esplêndidos à espera de um uso mais digno. O aumento excessivo de tais "efeitos" representa um perigo para a Palucca, contra o qual devem alertar todos aqueles que realmente acreditam nela.» (Stabel, 2019: 45)
Este tipo de opinião difusa, ainda que qualificadora de um percurso que continuava a integrar inovação, estende agora o juízo de valor especializado a uma nova dimensão que viria a ser determinante para a condução de um percurso artístico. Os malabaristas de ideias tomam a dianteira na gestão ideológica da arte, da dança que já não pode ser moderna e experimental, e tornam-se arautos de um gosto que se pretende uniformizador e adequado ao que de fora se torna exigência para artistas como Palucca, Wigman, Laban que encontram na adaptabilidade um modo de sobrevivência continuada.
No caso de Palucca a transição opera-se na passagem de um modo de dançar único e genuíno, num corpo andrógino, para a maturidade desse mesmo corpo em transformação.
É nas improvisações técnicas que esse processo se inicia, como se a artista adivinhasse o futuro da nação. Dançando sempre a solo Palucca expõe-se no isolamento de um corpo que se revê no princípio da fragmentação: tronco, cabeça e membros parecem desligar-se entre si, como acontece em Serenata com música de Albéniz. E, no entanto, o desenho da coreografia, da sua coreografia, reforça exactamente o contrário – o seu corpo invoca nos poucos minutos da coreografia as diferentes posturas decorrentes do que acontece como sequência, como anti-sequência, como fusão sequencial. Presente está a técnica que partilha com o improviso uma concepção em permanente metamorfose.
Poderíamos afirmar que Palucca foi uma pessoa que à sua maneira pensou politicamente e agiu sob essa condição. Pudemos acompanhar a sua presença na Bauhaus e um pouco também durante a fase que se lhe seguiu. O nacional-socialismo trouxe à artista momentos gloriosos e de reconhecimento público, apesar de a evolução das decisões oficiais face à dança não permitirem qualquer estabilidade nem para ela nem para os artistas deste ramo. Em 1942, na chancelaria e em rara manifestação sobre dança perante Goebbels, Hitler deixa sair de entre dentes um discurso elogioso sobre várias bailarinas de que exclui Palucca. Esta desapontava-o por estar sempre aos pulos. (Stabel, 2019: 76)
Dos anos 20 aos anos 40 parecia que nenhuma transformação ocorrera no percurso da artista. O argumento era vicioso e a artista nunca dele soube. A «mais alemã das bailarinas» pôde dançar até à proclamação da «Guerra total» em 1944, mas a sua escola foi fechada em 1939. A impossibilidade de entendermos a lógica destas medidas tem uma resposta pelo menos justificada na sua ascendência, a que nos referimos anteriormente. Para os Nazis, Palucca era não ariana e apesar do avô materno ter banido da família o judaísmo como estigma, essa tomada de posição não invalidou que a sua origem judaica investigada até ao 3ºgrau determinasse o seu percurso profissional. Neste contexto, a artista recebe uma autorização ministerial para poder continuar a dançar e a ensinar dança, apenas porque o seu pai lutara ao lado da Alemanha durante a I Guerra Mundial.
Palucca agradece por escrito, em 1936, às autoridades que lhe permitiram poder exibir um documento que a qualquer momento poderia tornar-se inútil.
A filiação a 11 de Julho de 1933 em organizações como a Associação Nacional-socialista de Professores e a Liga Alemã de Combate não eram garantia de nada. Mas Palucca nunca deixou de tentar a sua sorte.
O pianista que a acompanhava regularmente em 1939 descreve o aspecto de Palucca na sequência do fecho da escola: «(…) Quando voltei a ver a Palucca fiquei estarrecido: ela estava completamente desfeita, o branco dos seus olhos era sangue. Eu sabia como ela dependia do ensino e da escola.» (Stabel, 2019: 83)
O projecto artístico de Gret Palucca deverá sempre ser entendido também de um ponto de vista político, considerando que a longevidade a fez atravessar diferentes épocas da História da Alemanha. A sua acção e capacidade de intervenção em nome dos interesses artísticos que a moviam, exigiam vontade de negociação independentemente das pessoas e instituições com as quais entrava em contacto. Durante o período nacional-socialista o jogo diplomático foi por vezes demasiado duro, incompreensível e aleatório. Ao contrário, a sua relação com a Bauhaus, dentro e fora da Escola, revestiu-se de condições que muito favoreceram a sua juventude, talento artístico e amor à vida.
Obras de consulta em alemão usadas em corpo de texto
BEYER, Susanne, 2009. Palucca – Die Biografie, Berlin: AvivA, pp. 157-158.
STABEL, Ralf, 2019. PALUCCA – Ihr Leben, Ihr Tanz, Leipzig: Henschel Verlag, pp. 76-77.
https://www.youtube.com/watch?v=o7ZlavDh3j0
https://www.youtube.com/watch?v=wBIAx2BN-iY
https://www.youtube.com/watch?v=NZ5byfHDRVE
O que é a Coreologia? Qual a sua importância para a Dança Clássica? – TEACHDANCART (wordpress.com)
C
Estudo das mãos de Palucca, 1935