Conspirações schlemmerianas Professores Alexandre Pieroni Calado Pedro Florêncio SérgioMascarenhas
15 Março 2021, 14:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
2ªFEIRA 7ª AULA
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Apresento aqui breve apontamento bibliográfico sobre concretismo e poesia concreta portuguesa no quadro europeu e na sequência de conversa em torno do ensaio de Kandinsky Sobre a Questão da Forma que nos deu a ver, através dos exemplos enunciados em corpo de texto, que a liberdade da arte é igual à liberdade da vida. A questão da forma está no ponto de vista e o que hoje é «matéria morta» será amanhã vivência rejuvesnecida.
Concretismo - Infopédia (infopedia.pt)
Poesia concreta e experimental - Infopédia (infopedia.pt)
https://escalanarede.com/2015/10/06/ana-hatherly-onoff-tres-poemas-experimentais-forma-corpo-desordem/ (Longo, mas útil)
Terceiro estudo de caso
Iniciámos a nova unidade de programa sobre Oskar Schlemmer (1888-1943) e o seu teatro-dança com o visionamento de curtas cenas, hoje reconstituídas, que serviram de mote para discutirmos vários aspectos suscitados pelo desempenho artístico e pela construção de movimento e repouso no espaço.
Do conjunto de contributos para um alargamento da discussão sobre o material cénico apresentado tivemos importante explicação sobre o funcionamento do quadrado em dança e suas especificidades entre momentos sequenciais (Elsa), pudemos ter acesso a trabalho concebido por Beckett (dança do quadrado), observámos performance de Bruce Nauman caminhando num quadrado, ambos mostrados pelo Prof. Alexandre, seguimos pequeno vídeo de época sobre artes marciais no Japão, comentado pelo Prof. Sérgio, e associável também ao historial bélico da I Guerra Mundial, na qual Schlemmer participou. Estando hospitalizado durante um longo período, Schlemmer entretinha-se a ver outros doentes a jogar xadrez, tendo retirado dessa experiência o efeito da construção das jogadas no tabuleiro que transporia para o espaço cénico como tivemos oportunidade de observar em diversas das cenas exibidas.
Foram referidas também as opções de cor – vermelho, azul, amarelo, branco, preto, cinza – que Schlemmer partilhava com os seus colegas Mestres, Kandinsky, em primeiro lugar, mas também Itten.
A este propósito e explicitando qual era o seu entendimento de teatro, Schlemmer escreve em diário de 1929 o seguinte:
The recipe the Bauhaus Theatre follows is very simple: one should be as free of preconceptions as possible; one shpould act as if the world had just been created; one should not analyze a thing to death, but rather let it unfold gradually and without interferance. One should be simple, but not puritanical. (“Simplicity is a noble concept!”) One should rather be primitive than over-elaborate or pompous; one should not be sentimental; one should be sensitive and inteligente. That says everything-and nothing!
Furthermore: one should start with the fundamentals. Well, what does that mean? One should start with a dot, a line, a bare surface: the body. One should start with the simple, existing colors: red, blue, yellow black, white, gray. One should start with the materials, learn to feel the differences in texture among such materials as glass, metal, wood, and so on, and one should start with space, its laws and its mysteries, and let oneself be “captivated” by it. This again says a great deal-or it says nothing, if these words and concepts are not felt and made reality.
One should start with one’s physical state, with the fact of one’s own life, with standing and walking, leaving leaping and dancing for much later. For taking a step is a grave event, and no less so arising a hand, moving a finger. One should have deep respect and deference for any action performed by the human body, especially on the stage, that special realm of life and illusion, that second reality in which everything is surrounded with the nimbus of magic….
All these are the precepts one should follow! They will lead, if not to the key, at least to the keyhole to the riddle which the Bauhaus Theater seemingly poses. (Schlemmer, 1990: 243-244)
Estamos perante um programa detalhado do seu fazer teatral e de que se salienta uma estruturação orgânica dos elementos a utilizar, uma simplicidade de meios que só assim são entendidos por quem esteja distraído (a construção dos figurinos mesmo nas cenas que observámos são verdadeiras obras de arte), um receituário que assim se aplica em nome do corpo humano que precisa de aprender a reconhecer-se enquanto tal. Partindo do funcionamento do organismo vivo (biomecânica) Schlemmer propõe a criação de uma nova linguagem para o teatro-dança que oscila entre o reconhecimento corporal nas suas funções e disposições e a fixação de um modelo em variações que nasce no chão para ser seguido mas também para ser abandonado. A proporcionalidade entre cor e forma transpõe para a tridimensionalidade padrões que se usam e revisitam e se expandem numa leitura abstracta que muito deve à teorização e prática de Kandinsky em Ponto Linha Plano.
É neste contexto que recordamos, entre outras intervenções, todas muito a propósito, as metáforas da ortodontia (Eliane, ela mesma formada nesta área) e a da ortopedia (Prof. Pedro), esta última associada à política e à sociologia, relevantes aspectos do entendimento da Bauhaus. Estas metáforas ajudam-nos a reflectir sobre precisão instrumental e uso de tecnologia bem como sobre a referenciação do corpo e gestualidade em função de um jogo permanente que muito deve à crítica social, à politização da arte e, em última instância, à constante colaboração entre estética e ética.
Oskar Schlemmer está aqui a ser invocado na perspectiva do exercício que prepara o número de dança nunca chegando ao seu fim. Quer isto dizer que cada cena tem princípio, meio e fim, claro, mas que essa disposição orientada numa e para uma cena pode criai entrelaçamento noutras cenas com motivos composicionais idênticos (ver dança do espaço, dança das formas, dança dos gestos), ainda que narrando através de movimento e repouso episódios independentes. O artista revela-se, na minha perspectiva, um ser paradoxal, que se revê na figura do inacabamento e, ao mesmo tempo, é um exigente formalista no enquadramento do ser humano no espaço.
Anda estamos atentos às suas pequenas obras, por enquanto mais do que à obra que o consagrou, Das Triadische Ballet (O Ballet Triádico), entre 1912 e 1929, e que foi apresentada em versão completa na cidade de Stuttgart em 1922. Justamente esta obra é composta por três actos com correspondência em três cores e seus simbolismos: amarelo, rosa e negro, sendo representada por dois actores/bailarinos e uma actriz/bailarina. A múltipla tríade que percorre quase todas as suas obras e tem o seu expoente no Ballet Triádico manifesta ainda a particularidade de atribuir aos imaginosos e portentosos figurinos de Schlemmer o protagonismo na composição cénica.
Conta ainda o Ballet Triádico com música criada por Paul Hindemith, o compositor que, em 1929, viria a trabalhar com Brecht em torno da peça didáctica, como o Vôo de Lindbergh e de outras formas de experimentação com actores amadores e profissionais.
Uma chamada de atenção neste caso para a música torna-se importante, uma vez que a concepção plástica e coreográfica do Ballet Triádico pode diluir por excesso a atenção do espectador desviando-o, sem que disso se dê conta, da partitura.
Poderemos espreitar mais adiante o Ballet Triádico a propósito de questões suscitadas pelos pequenos exercícios que estamos a analisar. De qualquer modo aqui fica o link para visionamento.
https://www.youtube.com/watch?v=mHQmnumnNgo (30’23)
Estas pequenas peças constituem o nosso caderno de encargos sobre todos os elementos artísticos integrantes, com destaque para o movimento corporal em abertura e fechamento de sequências que as estruturam. Integraremos aplicação teórica sempre que a propósito.
O acesso a este espólio de Oskar Schlemmer ficou a dever-se ao trabalho em arquivo de investigadores, artistas e técnicos que têm vindo a replicar a obra do artista desde os anos sessenta do século passado. Veremos, portanto, reconstruções e originais.
Para tornar mais acessíveis as propostas teóricas de Oskar Schlemmer fui escrevendo um texto desde o Verão passado e até agora na expectativa de descomplexificar a sua ideia de arte.
Fotografia de exterior da oficina de teatro e dança com figurinos organizada por Oskar Schlemmer na Bauhaus de Dessau, 1927.
HORA E MEIA COM OSKAR SCHLEMMER
1. Ao termos visto alguns dos exercícios e jogos criados por Oskar Schlemmer e pelos seus alunos na oficina de Teatro e Dança da Bauhaus, entre 1923 e 1929, e poderemos compará-los em versão reconstruída e em filmagem original de época. Atentaremos, volto a sublinhar, em alguns dos nomes atribuídos a essas curtas cenas: «Dança das formas», «Dança em vidro», «Dança em metal», «Dança dos paus» ou «Dança no espaço». Assim compreenderemos que estas designações referenciavam materiais ao mesmo tempo que descobriam e desenvolviam movimentos corporais e criavam relações destes com o espaço.
2. Para os Bauhäusler o palco surge como um lugar, mas também como um meio de criação de novos modelos de apropriação e interacção com o espaço. Esta visão encontra paralelismo em concepções semelhantes entre futuristas, dadaístas e construtivistas que se questionavam e punham em acção projectos artísticos que consideravam a cena como lugar de experiência com selo de vanguarda.
Acontece, porém, que o fenómeno em desenvolvimento na Bauhaus possuía uma componente fundamental praticamente ausente em termos sistemáticos nos outros movimentos modernistas. A presença da arquitectura como arte do espaço e da construção da forma acaba por influenciar de maneira diversa de outras propostas contemporâneas de então o rumo das artes cénicas na Escola da Bauhaus.
Se Kandinsky se refere na sua teorização sobre Composições para Palco a uma síntese das artes e também a uma obra de arte total, privilegiando a transdisciplinaridade mas sobretudo a organização do espaço, a sua iluminação, a profundidade e a dinâmica das formas em movimento, na esteira de uma visão crítica daquilo que Richard Wagner considerava ser o contexto operático a partir das suas partituras e do equilíbrio entre as artes em palco, verificamos que, por exemplo, Walter Gropius se torna defensor de um «Teatro total» que para ele tinha a vantagem de permitir a cada encenador uma utilização variável e flexível do espaço de cena, quer sob a forma de arena, com extensão móvel para o proscénio, ou ainda considerando perspectivas em profundidade com cobertura de toda a área disponível. Gropius propôs este seu projecto a Erwin Piscator, mas não o conseguiu fazer aprovar.
Outros mestres da Bauhaus, como o austro-húngaro Andor Weininger, usam designações como «Teatro em abóbada» ou «espaço de palco construtivo». A ideia de construção, de articulação de elementos e de estruturas, própria de uma arquitectura de cena que se conjuga com as necessidades e desempenha funções precisas e essenciais, dá origem ao entendimento da área cénica em toda a sua proporcionalidade e dimensão como se se tratasse da concepção de uma casa.
Eficácia, aplicação de instrumentário tecnológico que revolucionava a movimentação e o sentido de orientação em cena (diferentes palcos giratórios, uso do vidro e do aço em zonas exteriores, projecções que interceptam as acções em cena) apelam a todo um conjunto de outras áreas artísticas como cenografia, construção e jogos de máscaras, figurinos, concepção de desenho de luz que absorvem o espírito de época na relação entre «máquina e abstracção», um binómio muito caro a Oskar Schlemmer que, apesar disso, opta em obra por uma concepção espacial muito discreta e poderíamos dizer pobre, quando comparada aos projectos arquitectónicos de outros dos seus colegas.
3. Há ballets mecânicos (como por exemplo, com Kurt Schmidt) que equacionam todo esse experimentalismo por vezes excêntrico, sem criação de grande empatia por parte de quem assiste, mas que se revelavam muito adequados à ideia de um «novo e moderno ser humano» e, como refere Oskar Schlemmer, que deveria ser um «ser humano dançante».
Assim o palco da Bauhaus era um lugar de incorporação arquitectónica, de experimentalismo de materiais, de trabalho com as formas, de modelagens permanentes, de uso de tecnologia já disponível e que era alvo de condições perceptivas que se adequavam às necessidades de cada momento.
Desta perspectiva a materialidade de cena transformava-se na presença e actividade de um conjunto de actantes (objectos, estruturas, maquinarias) que concorriam com a acção em palco do próprio ser humano. Importante parecia ser dar a medida, algumas medidas, da relação entre o ser humano e a técnica. E essa relação não era apenas fulgor e êxtase. Muitos dos exercícios composicionais propostos, por exemplo, por Oskar Schlemmer, indiciavam espírito crítico, vivência individual e colectiva, capacidade lúdica de transformação do corpo e da mente, uso da máscara e da pantomima como meios de distorção da realidade.
A leitura destes exercícios, em si múltipla pela variedade dos mesmos, mas também aleatória devido à repetitividade expansiva de alguns deles, não deixa, porém, de tornar relevante que o ser humano individualizado (o actor tradicional e o seu egocentrismo) perde a centralidade em prol de outros elementos que consigo concorrem no trabalho cénico. Com isto pretendo dizer que o ser humano não é banido do palco da Bauhaus. Ao contrário, o que verificamos é que existe uma nova consciência da presença e acção em palco da pessoa humana. O actor e o bailarino, a actriz e a bailarina representam-se enquanto indivíduos e enquanto seres colectivos a quem é pedida a consciência de que «o trabalho da máquina», como afirmava Karl Marx no 13º capítulo de O Capital (eu li em tempos a obra), reprime o jogo complexo dos músculos e confisca toda a atividade intelectual livre.»
Karl Marx parecia estar certo se pensarmos na realidade do primeiro Capitalismo, mas Oskar Schlemmer com o seu extraordinário aparato de geometrismos de chão de cena, adereços e objectos lúdicos, disfórmicos modelos, imaginosos transportes entre luz e ausência da mesma defendia que bailarinos e actores se deviam submeter ao mecânico e mesmo criar com ele empatia.
Em 1931, Schlemmer afirma num dos seus diários de trabalho sobre aplicação de medições geométricas e biologia humana: O mundo das formas que usei surgiu, por um lado, da teoria elementar da geometria e da estereometria [medição de sólidos], traduzidas em novos materiais estimulantes próprios do nosso tempo; por outro lado, [veio] da teoria elementar do corpo humano, que, como continuo a afirmar, também diz respeito a um ser de carne e osso, com mente e sensações, assim como com um esqueleto, tudo maravilhosamente funcional e exacto. Se esse lado do corpo humano for encarado como uma oportunidade para demonstrações fantásticas e sem negligenciar maliciosamente a síntese de ambas as possibilidades, basta apenas uma tentativa para estabelecer um equilíbrio com o outro lado, que é aquilo a que comummente chamamos de dança, e que é tão abundantemente representado»[1]
4. Estes procedimentos através dos quais Schlemmer, em conjunto com os seus bailarinos e actores, foi construindo inovação no espectro da dança do seu tempo, deu origem a representações artísticas que correspondiam a uma visão modernizada do mundo circundante. E, no entanto, esses procedimentos cientificamente testados transportavam consigo processos de poetização do próprio corpo ao explorarem uma nova linguagem imagética que se sobrepunha à presença e ao uso cada vez mais avançado da tecnologia.
A experimentação em palco resultou de uma prática elaborada sob o efeito de uma certa abstinência (exercícios limpos e bem desenhados) e de um pragmatismo sistemático com vista à criação de modelos explicativos de uma ordem que também se inspirava em paralelismos criados com a realidade, e dela se mostrando muito distantes ao mesmo tempo.
Clara era apesar de tudo a questionação de Schlemmer sobre o que de facto poderia ser entendido como realidade e como é que uma reflexão estética e crítica se posicionava perante um mundo cada vez mais racionalizado.
Cabe aqui referir, relativamente à compreensão da arte cénica, que o posicionamento de Oskar Schlemmer face à mesma se orientava por dois pressupostos: um de natureza estética e outro de natureza ética. No primeiro caso a forma estética recebia interpretação ética, isto é, independentemente do resultado formal estético, este teria sempre uma razão ética para existir e nessa condição estaria disponível para se devotar à nova arte funcional de poder vir a ser solução para os problemas da vida.
A função da arte para Schlemmer possuía uma “inspiração espiritual subjectiva”, a ideia ética, a que o artista atribuía o papel de projectar a nova arte alemã em direcção ao futuro. Deste ponto de vista, o novo teatro-dança com as suas peculiaridades poderia tornar-se abrangência geral. A vontade de aplicação desta ideia num contexto multidisciplinar criava as condições para que a obra de arte integrada (a forma estética) se tornasse objectiva.
Numa segunda perspectiva surge então a busca por uma arte metafísica que resultasse do equilíbrio entre estética e ética como criação artística que transcendesse o mundo visível. Ambivalente nas suas propostas, Schlemmer procura neste horizonte entre as duas formas de conhecimento uma síntese da arte:
«Vacilo entre dois estilos, dois mundos, entre duas atitudes perante a vida. Se eu pudesse ser bem sucedido ao analisá-las, creio que poderia desfazer-me das minhas dúvidas. As características do primeiro estilo são: severidade, dureza, contenção, retenção, reserva, profundidade. O efeito não está na superfície; um primeiro olhar deixa-nos frios, mas a pouco e pouco alguma coisa se revela ao espectador, através de acção retardada, como então acontecia. Estas são provavelmente as características essenciais da antiga arte grega e romana. As características do segundo estilo são diametralmente opostas às da arte da Antiguidade; que maior contraste não existiria do que o Gótico? Ou o misticismo. Resumindo, nada que não seja supernatural, gigantesco, dionisíaco, arrebatado, extasiante, dinâmico.» (Schlemmer, 1915: 30-31)
T. Lux Feininger, Oskar Schlemmer em palco como palhaço-músico. Teatro experimental da Bauhaus em Dessau, 11,1 cm × 13,7 cm. 1929. gettyimages
Muitas das criações para palco de Oskar Schlemmer apresentavam-se como quadros sequenciais e que se interligavam através de imagens simbólicas, por vezes até metafísicas (as várias parcelas finais do Ballet Triádico apontam nesse sentido) e em que paradoxalmente o ser humano se entrega ao poder da máquina, do maquinal, relevando a partitura cénica de uma lógica de construção, de uma precisão de gesto e movimento, de uma sistematicidade que se cumprem quase de modo implacável.
Apesar desta vertente maquinal, técnica, racional de criar distanciação no espaço representacional artístico, Schlemmer nunca deixa de defender acerrimamente o ser humano como a criação mais perfeita do Universo.
5. A era da mecanização e da abstracção é, porém, encarada por Schlemmer como uma oportunidade para se analisarem e modelarem novas possibilidades de entender a mutabilidade dos comportamentos do ser humano. Questões como: natureza e técnica, mas também aspectos do domínio psicofísico, psicopolítico concorrem para que se coloque a pergunta como pode o corpo ser de novo imaginado ou como ele poderá ser revivido.
É dentro deste contexto que o artista cunha um conceito que talvez possa responder às preocupações estéticas e artísticas dos seus intérpretes e por extensão de quem os expecta. O conceito de Kunstfigur (Figura Artística) surge pela primeira vez no seu livro programático Mensch und Kunstfigur (Ser Humano e Figura Artística) de 1925.
É nesse livro que o futuro mestre da Bauhaus fala de quatro "tipos de figurino" que são fundamentais para ele e com os quais é possível criar uma "mudança de forma no ser humano" em direção à acentuada artificialidade e abstração. Essa aparente e invocada "arquitectura em mudança" está relacionada com:
i. As "leis do espaço cúbico" e suas relações com o corpo humano são testadas em lugares em forma de caixa onde se produzem exercícios arquitectónicos que prevêem a tal “arquitectura em mudança”, i. e., o aproveitamento geometrizado das formas no espaço;
ii. A "boneca ou o boneco articulado" através dos quais se opta pelas "leis da função do corpo humano no espaço" conduzem com os seus movimentos a formas de ligação e torsão decisivas para a compreensão do “organismo técnico”;
iii. O “organismo técnico" que reflecte as "leis do movimento do corpo humano no espaço" é também um factor de “desmaterialização”;
iv. A "desmaterialização” da figura em cena deve permitir a existência de "formas metafísicas de expressão" que podem conduzir a fundamento moral, a juízo político na representação do corpo e suas possibilidades.
Todas estas indicações que estão na base da criação de figurinos, mas também relacionadas com materiais têxteis e outros, com o uso simples da cor com significado associado aos tipos-base temperamentais (sanguíneo, colérico, melancólico, fleumático), servem para dotar actores e bailarinos de uma nova substancialidade corporal e mental que lhes permita ao mesmo tempo figurarem a fusão entre artificialidade e humanidade.
A figura artística resulta basicamente da transformação operada pelo figurino e máscara no actor/bailarino que se movimenta no espaço executando um desenho coreográfico. Ao executar este percurso ele ora é transmissor de processos, ora é receptor dos mesmos, muitas vezes, porém, executa ambos, tornando-se assim num veículo de uma tipologia caracterial que adquire também valor simbólico. Eis como o ser humano se transforma para Schlemmer em Figura da Arte.
[1] Oskar Schlemmer, Tagebucheintrag vom 7. September 1931, in: Andreas Hüneke (Hg.), Oskar Schlemmer. Idealist der Form, Briefe, Tagebücher, Schriften 1912-1943. Leipzig, 1990, S. 238.