Onde estamos? Prof. Alexandre Pieroni Calado, Prof. Sérgio Mascarenhas
1 Fevereiro 2021, 14:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
FEVEREIRO 2ªFEIRA 2ª AULA
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Inspirações, projectos e realizações.
Posicionamento ideológico, dificuldades de percurso, formas de subsistência autonómica, capacidade de articulação entre aprendizagem teórica, correspondente experimentação e aplicações práticas em muitos dos domínios de estudo da Escola. Expansão para o exterior como forma de divulgação de projectos em todas as valências disciplinares da Escola e como contributo para a manutenção e estabilidade financeira a favor do corpo docente e discente.
A Bauhaus transformou-se num mito? Continua ela a consagrar a capacidade de modelo para lá do seu tempo?
Estas linhas de orientação poderão ser encontradas em leituras recomendadas no final do sumário.
1. A Bauhaus como modelo de Escola multidisciplinar no campo das artes, entre 1919 e 1933, na Alemanha, não nasceu do nada. Anterior à sua existência, e especificamente na cidade de Weimar, a Bauhaus beneficiou de dois factores concomitantes: 1. Weimar foi a partir do séc. XVIII um centro de acolhimento regular das ciências e das artes quase sempre sob o beneplácito dos Grão-duques que se iam sucedendo como monarcas regionais; 2. O historial que precede a constituição da Bauhaus tem na Escola Grão-ducal de Arte da Saxónia em Weimar, fundada em 1860, exactamente pelo Grão-duque Carlos Alexandre da Saxónia-Weimar-Eisanach, uma primeira tentativa de desenvolver uma escola de artes. Em 1905, esta Escola é integrada no conjunto de escolas estatais do Grão-ducado da Saxónia-Weimar-Eisenach e, em 1910, passa a escola de ensino superior em artes plásticas e preserva o nome do seu fundador.
Paralelamente a estes dois aspectos de enquadramento histórico para a Bauhaus, existiu em Weimar, entre 1907 e 1915, uma Escola autónoma de artesãos e artistas que seguia como inspiração o modelo tardo-medieval que juntara artesãos nas suas Guildas a artistas-arquitectos na construção de igrejas e catedrais por toda a Europa. Esta antiga ligação entre as várias profissões é recuperada pela Bauhaus como princípio educativo que reconhece no saber de cada um idêntico valor independentemente da sua classe profissional.
As duas instituições de ensino artístico acima referidas, e no contexto histórico-pedagógico e cultural da cidade de Weimar, foram fundamentais para a criação da Bauhaus, independentemente de todas as influências provenientes do Reino Unido, de Viena, de Berna e de Berlim, de São Petersburgo, de Moscovo, ou de outros lugares, todas associadas aos destinos de proveniência de onde chegavam a Weimar os futuros mestres e aprendizes com propostas estéticas e teórico-práticas muito variadas.
Faz sentido aqui referir como, a pouco e pouco, porém, todo um conjunto de contributos científicos, pedagógicos e artísticos, a que a Escola se foi manifestando receptiva, acabou por dar origem a um processo que viria a conduzir a uma concepção única no seu tempo e que caracterizou um estilo-modelo Bauhaus. Este tornou-se na identidade da instituição. Representativo não só pela simplicidade de formas, como pelo carácter funcional dos projectos, primordialmente na arquitectura e no design, mas também através da construção de objectos e estruturas que consagravam o despojamento e a eficiência de materiais e usos, e que faziam opção de cor, por vezes inusitada para o gosto estético comum, em obra plástica, têxtil, gráfica, encontramos o estilo-modelo Bauhaus em registo experimental, por vezes desconcertante. A vontade optimista, libertária, colectiva de criar transformou a Bauhaus, ao mesmo tempo, num espaço de aprendizagem que vivia da capacidade de associação entre artes, suas aptidões e descobertas. É o caso, por exemplo, da exploração de jogos de luz e sombra (na fotografia, mas também nas artes cénicas). Tantas foram as artes colaborativas, quantas as formas de interligação que as potenciaram. A este projecto educativo singular foi dado um tempo (14 anos) para existir e se consumir em inúmeras tentativas de afirmação. O fora da Escola tornou-se uma adversidade constante. A seguir a um tempo de esperança vinha o desânimo que operava de modo a inventar de novo vida comum.
A contextualização externa da Bauhaus terá sempre de considerar, a nível social, político e económico, o importante papel desempenhado pela Revolução Industrial e seus derivados como motor de arranque e implementação deste processo. A I Guerra Mundial, obviamente também, num outro plano, bem como as transformações e conflitos ideológicos que dominaram a Europa durante as primeiras três décadas do séc. XX. O nacional-socialismo usou afiadas garras e fez sangrar até à última gota a Bauhaus de Weimar, Dessau e Berlim. O que se seguiu foram mortos e escombros.
Em Weimar existe, desde 1954, a Universidade Bauhaus que tem como primeiro edifício aquele que foi restaurado no pós-guerra, a obra do arquitecto belga Henry van de Velde, datada de 1905-1906. Nessa época Velde recebeu directamente encomenda do Grão-Duque Guilherme Ernesto de Sachsen-Weimar-Eisenach e concebeu um edifício em forma de casco de cavalo, o que muito terá divertido pela sua forma o monarca amigo das artes.
Este Grão-Duque entregou a Walter Gropius a direcção da Bauhaus em 1919, antes de trocar Weimar pelo castelo de Heinrichau na Silésia, onde se recolheu em exílio até ao fim da vida. Desde 1996, a Universidade Bauhaus no seu conjunto é herança e património cultural da UNESCO.
A Universidade Bauhaus de Weimar, edifício histórico.
Talvez agora se possa entender o desejo de Ursula von der Leyen em querer criar na Europa cinco novas universidades Bauhaus. A seu tempo voltaremos a este assunto.
https://en.wikipedia.org/wiki/Bauhaus_University,_Weimar
2. A proposta de trabalho que tenho para hoje é que nos debrucemos sobre alguns esquemas e diagramas que inspiraram os mestres da Bauhaus para criarem e articularem programas, instrumentos de trabalho, materiais a desenvolver com os seus alunos e que proporcionam uma visão de conjunto dos planos de estudos, nomeadamente aqueles que diziam respeito ao ensino preparatório das diversas disciplinas.
A opção por um tempo preliminar de aprendizagem procurava criar condições para que todos tivessem as mesmas oportunidades, acentuando a importância de uma visão democrática do ensino na Bauhaus.
Por outro lado, o contacto sistemático e progressivo com disciplinas teórico-práticas desenvolveria o maior número possível de competências entre os formandos, criando oportunidades futuras para trabalho autónomo consubstanciado.
Modelo 1
O diagrama acima integrava o plano de estudos incluído nos estatutos da Escola e publicado por Walter Gropius em 1922.
Caminhando do anel exterior para o centro temos a indicação da aprendizagem preparatória (Vorlehre) associada à aprendizagem elementar da forma (Elementare Formlehre), bem como estudos de matéria na oficina preparatória (Materiestudien in der Vorwerkstatt). Este anel abarca trabalho para meio ano, sabendo-se que o curso completo engloba três anos.
Prosseguindo para o anel seguinte são-nos apresentadas matérias que associam o Estudo da Natureza (Naturstudium) à Aprendizagem sobre Tecidos (Lehre von den Stoffen), à Aprendizagem do Espaço (Raumlehre) à Aprendizagem das Cores (Farblehre), à Aprendizagem de Composição (Kompositionslehre). Segue-se ainda no mesmo anel, Aprendizagem de Construções e de Apresentação (Lehre der Konstruktionen und der Darstellung). Finalmente há ainda lugar para a Aprendizagem sobre Ferramentas e Material (Material- und Werkszeuglehre).
Este segundo anel indica vários caminhos sob uma mesma área de montagem. Destaca-se o Estudo da Natureza como uma componente de formação para todos e que na verdade tem um papel fundamental, não só na aprendizagem dos formandos, como na compreensão dos princípios e valores que orientaram a Bauhaus. Quer seja sob os auspícios da filosofia naturalista e mística (masdeísmo) de Johannes Itten, o primeiro mestre a assumir a responsabilidade de dirigir o curso preparatório, que começava todas as suas aulas com exercícios de ginástica e respiratórios, preocupando-se com a necessidade de que cada aluno se libertasse de preconceitos e se tornasse o mais criativo possível, quer implementando nos alunos a vontade de virem a ser profissionais completos, i. e., se tornarem responsáveis por todas as etapas de um único projecto, como exigia Walter Gropius aos seus aprendizes e mais tarde colaboradores, o facto é que neste anel encontramos, de uma forma muitas vezes vaga ainda, as possibilidades que a Bauhaus, após quatro anos de existência, passou a poder oferecer com os seus docentes. Os tecidos, as teorias da composição, o estudo do espaço, a arquitectura e o design, a prática oficinal eram respectivamente da responsabilidade de Marianne Brandt, Wassily Kandinsky, Paul Klee, Walter Gropius. Adolf Mayer, entre outros.
E é importante considerar um aspecto linguístico neste diagrama. A palavra “Lehre” significa estudo, aprendizagem, mas também teoria. O diagrama não oferece especificação neste campo. Como é evidente os alunos do curso preliminar aprendiam de forma complementar teoria e prática, sem as quais não poderiam passar à etapa seguinte.
O anel que se segue concentra-se nos materiais em uso na Escola e na cor (Farbe). Esta é alvo de diferentes teorias como as de Itten, Klee e Kandinsky, mas também de Johann Wolfgang von Goethe e Philipp Otto Runge. Tudo será alvo de experimentação em cada uma das disciplinas. Haverá mistura e singularidade nos objectos a construir em pedra (Stein), madeira (Holz), metal (Metall), tecidos (Gewebe), vidro (Glas), barro (Ton) e suas constantes ligações.
Finalmente o centro do diagrama está reservado à CONSTRUÇÃO (BAU): Lugar da construção (Bauplatz), lugar da experimentação (Versuchsplatz), projecto (Entwurf), construção e conhecimento de engenharia (Bau u. Ingenieur: Wissen).
A forma circular do diagrama também nos oferece leitura em todas as direcções, na medida em que cada anel pode criar correspondência e intercepção com os outros anéis e contribui para que se produza uma dinâmica de movimento entre o centro e as margens. A circularidade prevê a agregação e a independência das matérias, mas também a sua continuidade experimental em várias disciplinas, nomeadamente através da ligação entre materiais e formas. A escolha das oficinas, por exemplo, é feita segundo as capacidades dos alunos mais talhados para umas do que para outras. Esta concepção adequa-se ao espírito e aos objectivos da Escola durante a fase de Weimar, acentuando-se esse princípio durante o período de Dessau.
O espaço de aplicação e transformação do diagrama é a Bauhaus - Casa da Construção. Sobre o princípio da construção assenta toda a filosofia desta Escola.
Modelo 2
A meia-circunferência aparece-nos como um objecto informativo e simultaneamente como uma imagem estética. Este horário (Stundenplan) foi construído por Lothar Schreyer, primeiro mestre responsável pela oficina de teatro, em 1921. O seu horário foi pensado para o semestre de Inverno de 1921—22 e cobre a indicação do trabalho do próprio, aparecendo também Paul Klee como docente.
O colorido e o lettering invocam a ligação de Schreyer ao Expressionismo, num trabalho a pincel. As letras maiúsculas são alvo de embelezamento, operando o pintor com pequenas brincadeiras com o seu nome e com o de Itten que tem a seu cargo aulas sobre forma, tal como Klee.
O desenho gráfico recebe o destaque pela cor.
Schreyer ocupa-se de um curso de desenho de modelo nu que que é ministrado entre o fim da tarde e a noite
Modelo 3
A última imagem é da autoria de Paul Klee e apresenta-se como uma versão do diagrama que nos aparece em modelo 1 e que integrou os estatutos da Escola em 1922.
Klee usa a forma da estrela para criar interceções mais dinâmicas entre as várias áreas de ensino, os materiais e a cor.
É de salientar a opção criada para o círculo interior, onde pela primeira vez aparece a menção ao palco (Bühne) associado à construção.
Voltamos a mencionar o nome da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Socorro-me de um artigo de opinião escrito pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen[1], defendendo o lançamento de novas Bauhäuser em cinco países da EU já nos próximos dois anos. A ideia é surpreendente e a vir a concretizar-se o que aproximará estas instituições disseminadas por território europeu da centenária e singular Bauhaus de Weimar, Dessau e Berlim?
O espírito e a letra do projecto original cresceram num tempo conflituoso e em desagregação. A Bauhaus foi luz entre sombreados de diversos matizes que já anunciavam a derrocada do que viria a ser a II Guerra Mundial.
Von der Leyen pretende apostar num «Pacto Ecológico Europeu» como projecto cultural. A inspiração vem-lhe do «design e da sustentabilidade». Afirma a estadista: «Gostaria que a nova Bauhaus europeia desse origem a um movimento criativo e interdisciplinar que promovesse normas estéticas e funcionais, em sintonia com as tecnologias de ponta, o ambiente e o clima. Se conseguirmos combinar a sustentabilidade com um bom design, o Pacto Ecológico Europeu receberá um enorme impulso, que extravasará as nossas fronteiras.»[2]
Onde caberão nesta iniciativa as memórias da experimentação, da liberdade de acção, da anarquia, da alegria de viver e de se ser artista, de uma constante luta pela sobrevivência que caracterizaram cada projecto da Bauhaus original?
Pergunto: Como se pode conceber uma Escola de fora para dentro e não ao contrário? A Bauhaus original foi pondo pedra sobre pedra, convivendo com desmoronamentos, quase morreu à fome e ao frio, andou com a casa às costas até dela ser desapossada.
Filme visionado
Filme visionado até meio
Kerstin Stutterheim e Niels Bolbrinker, 2009, Bauhaus – Modell und Mythos, ARTE edition. 104 min. em alemão e inglês.
Agradeço aos colegas Alexandre Pieroni Calado e Sérgio Mascarenhas e a todos os alunos presentes o apoio tecnológico prestado para que vissemos em conjunto o filme escolhido para esta aula.
Mal digo a minha própria incompetência, mas mais do que isso, não entendo que a plataforma Zoom seja tão medíocre para o visionamento de filmes em DVD. A passagem do objecto fílmico para We Transfer permitiu que todos passassem a ter acesso ao filme escolhido. No entanto, esse filme ficou dessincronizado na plataforma Zoom.
Peço a todos que vejam em casa Bauhaus – Modell und Mythos. Dedicaremos a este filme umas palavras no início da próxima aula.
Leituras recomendadas
Obra geral
DROSTE, Magdalena 2019. Bauhaus – A hundred years of Bauhaus, updated edition, Berlin: Bauhaus Archiv.
https://pt.scribd.com/document/433252606/Bauhaus-1919-1933-Bauhaus-Archiv-Magdalena-Droste
Recomendo que observem na versão portuguesa da obra de Magdalena Droste as imagens nas seguintes páginas: 65, 136, 168 e 169. Nestas imagens diagramáticas é perceptível a transformação que se vai operando na Escola.
Documento de sistematização sobre a Escola Bauhaus
Ursula vom der Leyen. Uma nova Bauhaus europeia, in Jornal Expresso, primeiro caderno, 17.10.2020.
[1][1] Ursula von der Leyen, Uma nova Bauhaus europeia, in: Jornal Expresso, Primeiro Caderno, 17.10.2020, p. 40.
[2] Idem, ibidem.