EXEMPLIFICAÇÃO A PARTIR DO TEXTO DE EPICURO, Carta a Meneceu

10 Outubro 2016, 11:00 Adriana Veríssimo Serrão

VIAS PARA A COMPREENSÃO DE UM TEXTO

 

 I. EXPLICAR

- O sentido do texto é imanente ao texto.

- Limitar-se ao texto e não sair dele (não in­troduzir elementos estranhos).

- Explicar todo o texto, mas apenas o texto.

- Explicitar todas as noções, conceitos, temas e teses centrais (apresentá-los por palavras nossas).

- Mostrar a articulação dessas noções e teses numa síntese completa (“um todo ordenado”, segundo Kant).

- Redigir em linguagem clara e concisa.

- Recordar que a sequência dos enunciados (a "ordem da exposição") pode não coin­cidir com a “ordem das razões”.

 

II. COMENTAR

O comentário aplica-se geralmente:- a teses (afirmações centrais).- a curtos excertos de texto.- pode incidir ainda sobre noções e conceitos (ou outros elementos) que permanecem ainda obscuros após a explicação e carecem de esclarecimento "fora do texto".

 

Segundo Pierre-Jean Labarrière, o comentário pode ser entendido como simples paráfrase ou já como um processo de invenção:

 

"O 'comentário' então – e entendo esta palavra que aqui surge, pela primeira vez, na sua acepção mais banal – recebe a forma de uma 'pará-frase' que duplica o texto, ins­cre­vendo-se nas suas margens, propondo, em relação a ele, uma outra ex­pres­são, cuja forma mais simples é a tradução-transposição de língua para língua, mas que pode deslizar já na fi­gu­ra de uma obra original, excedendo os limites de uma re­pe­ti­ção melhorada, para prolongar a pesquisa que se encontra aí inaugurada.

Deslize imperceptível que nos afasta da simples paráfrase do primeiro género e que de­lineia outras potencialidades para o comentário. Com efeito, a fecundidade do ges­to ori­gi­nário exige este esforço de inovação que se apoia no texto, para dele extrair ou­tras figuras de sen­­­tido, em função das exigências de uma situação nova; processo de in­venção que não de­signa nem autoriza qualquer insuficiência do texto fundador."

 

Pierre-Jean Labarrière, "Textos sobre texto ou como si­len­­­ciá-lo?", in Irene Borges Duarte et alii (org.), Texto, Leitura e Escrita. Antologia, Por­to: Por­­to Editora, 2000, pp. 185-192.

 

 

Para o esclarecimento desses elementos, pode ser útil consultar um dicionário de língua portuguesa.

Mas é necessário recorrer a bibliografia especializada:

 

-- OBRAS INSTRUMENTAIS:

- Vocabulários e Dicionários de conceitos filosóficos.

- Enciclopédias de Filosofia.

- Histórias da Filosofia.

 

(Estas obras têm diferentes níveis de complexidade, sendo conveniente começar pelas mais simples e ir avançando para as mais elaboradas).

 

 -- BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA:

Estudos especificamente dedicados ao(s) tema(s) e ao(s) autor(es).

Ex: a Contextualização e o Comentário à Informação … de Kant ou à Carta de Epicuro.

 

Estudos cada vez mais especializados, consoante a exigência da investigação.

 

 

III. INTERPRETAR

Restituir o sentido geral do texto, articulando o sentido expresso (manifesto) com outros sentidos implícitos.

Níveis de integração

- na obra do autor.

- na época histórico-cultural.

- na problemática filosófica em jogo.

-

  

EXEMPLIFICAÇÃO A PARTIR DO TEXTO DE EPICURO, Carta a Meneceu

 

Teses explícitas:

 

A. Necessidade e utilidade da filosofia.

A filosofia como caminho para a felicidade.

A filosofia como terapia (cura dos males que afectam a busca da felicidade)

Obstáculos à felicidade: temor dos deuses, medo da morte, receio de não ter bens, medo das dores.

Os males fundamentais do homem são todos ilusórios.

 

B. Natureza do prazer

É o princípio (archè) e finalidade /fim (telos)

Ausência de dor física (aponia) e de perturbação da alma (ataraxia).

= ausência de movimento e de dor = estabilidade, equilíbrio de corpo e alma.

= serenidade

 

C. A prudência ou ponderação (phronesis)

Alcançar saúde do corpo e tranquilidade da alma.

A reflexão indica quais os desejos legítimos e ilegítimos:

·         a) Naturais – necessários (conservação da vida)

·         b) Naturais – não necessários (excessos, requintes…)

·         c) Não naturais nem necessários (artificiais, originados na sociedade)

 

D. A sabedoria ou a liberdade do sábio

“Vida boa”: não tomar como a) os c); vigiar os b).

Seguir os prazeres naturais.

Não estimular os desejos, dominá-los e extingui-los.

Autarqueia /autarcia ou autarquia  (suficiência); (<autarkes / autarca: auto-suficiente)

Phronesis: cálculo da utilidade e escolha do prazer maior (reflexão sobre o fim), sabendo que, por vezes, a dor presente leva a um prazer maior.

          

Comentário

“A prudência é mais importante que a filosofia”

 

Comentar=pensar com

 

Interpretação geral

Filosofia moral: o bem alcança-se como termo de uma prática equilibrada dos prazeres.

Filosofia como arte de viver ou prática de vida (ou como medicina animae).

Estilo filosófico: a carta.

 

Níveis de contextualização

 

Biográfico: vida e obra de Epicuro (séc. IV a C.)

Na obra do autor (outros textos que fundamentem e esclareçam os pressupostos gerais do pensamento de Epicuro:

- a física (o atomismo)

- a metafísica (refutação do espiritualismo e negação da providência)

- a antropologia: inseparabilidade de alma e corpo; a alma não é imortal; a alma é contemporânea do corpo

 

Na época histórico-cultural: fim da época clássica, fase helenística.

 

Na problemática filosófica em jogo: o problema ético.

 

 

 

Noções de metodologia: as referências bibliográficas

 

Referência bibliográfica de uma obra com um só autor:

Umberto Eco, Como se faz uma tese em Ciências Humanas, trad. port. de XXX, Lisboa, Editorial Presença,1980.

ou:

Umberto Eco, Como se faz uma tese em Ciências Humanas, Lisboa: Editorial Presença,1980.

Leonel Ribeiro dos Santos, Linguagem, Retórica e Filosofia no Renascimento, Lisboa, Edições Colibri, 2004.

ou:

Leonel Ribeiro dos Santos, 2004, Linguagem, Retórica e Filosofia no Renascimento, Lisboa: Edições Colibri.

Leonel Ribeiro dos Santos, Linguagem. Retórica e Filosofia no Renascimento, Lisboa, Edições Colibri, 2004.

 

 

R. Lenoble, História da ideia de Natureza, trad. port.- de AAA, Lisboa, Ed. 70, 1990.

 

Albert Camus, Le mythe de Sisyphe. Essai sur l'absurde, Paris: Gallimard, 1942.

Albert Camus, Le mythe de Sisyphe. Essai sur l'absurde, 2.ª ed. Paris: Gal­li­mard, 1970.

ou:

Albert Camus, Le mythe de Sisyphe. Essai sur l'absurde, Paris, Galli­mard, 19702.

ou:

Albert Camus, Le mythe de Sisyphe. Essai sur l'absurde, Paris: Galli­mard, 21970.

 

 

 

Referência bibliográfica de uma obra com dois autores:

 

M. Ribeiro Sanches e A. Veríssimo Serrão, A Invenção do “Homem”. Raça, Cul­tura e História na Alemanha do século XVIII, Lisboa: Centro de Filosofia da Uni­ver­­sidade de Lisboa, 2002.

 

Ensinar Filosofia? O que dizem os filósofos, coord. M. José Vaz Pinto e M. Luísa Ribeiro Ferreira, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2013.

ou:

M. José Vaz Pinto e M. Luísa Ribeiro Ferreira (coords.), Ensinar Filosofia? O que dizem os filósofos, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2013.