III. Sobre Conceito e Objecto - 2

15 Outubro 2021, 14:00 António José Teiga Zilhão

Análise e discussão do ensaio de Gottlob Frege Sobre Conceito e Objecto (Ueber Begriff und Gegenstand) de 1892 - 2

G. A crítica de Frege à posição defendida por Kerry de que, por um lado, a distinção entre conceito e objecto não seria ontologicamente irredutível, tendo apenas uma validade meramente contextual, e de que, por outro lado, o próprio Frege violaria o princípio da irredutibilidade (continuação) 

i) Apresentação dos contra-exemplos de B. Kerry: estes consistem em frases nas quais um termo do género 'O conceito tal e tal' aparece no que parece ser o lugar do sujeito de uma predicação com sentido (e.g., 'O conceito cavalo é fácil de obter'; 'O conceito acerca do qual acabei de falar é individual'). ii) Resposta de Frege aos contra-exemplos de Kerry: em tais casos, o termo do género 'O conceito tal e tal' seria um termo singular que, de facto, referiria um objecto; mas esse objecto manter-se-ia essencialmente distinto do conceito (e.g., ser um cavalo) identificado por Kerry, mesmo que, numa tal frase, o representasse. iii) Justificação da resposta de Frege: a) ela estaria de acordo com as marcas da objectualidade e da conceptualidade presentes na língua; no uso linguístico, os termos para objectos viriam associados ao artigo definido no singular, enquanto que os termos para conceitos viriam associados ao artigo indefinido; b) Análise de contra-exemplos à validade do apelo para estas marcas (e.g., 'O Turco cercou Viena'; 'O Cavalo é um quadrúpede') e sua elucidação como meramente aparentes: no primeiro caso 'O Turco' seria um termo singular que referiria um povo, i.e., um objecto colectivo, enquanto que no segundo caso estaríamos apenas perante uma variação estilística de um juízo universal afirmativo; c) Distinção entre os casos de frases em que um conceito é predicado de um objecto e o caso de frases em que um conceito de primeira ordem cai sob um conceito de segunda ordem; nos casos de frases nas quais se afirma que um conceito de primeira ordem cai sob um conceito de segunda ordem, o conceito de primeira ordem mantém, nessas mesmas frases, a sua natureza predicativa, apesar de, nelas, se estar a dizer algo acerca dele (como acontece no caso dos juízos universal ou existencialmente quantificados que substituem, na Lógica moderna, os juízos gerais da Lógica aristotélica); ora, no caso de frases do género 'O conceito tal e tal tem tal e tal propriedade', nas quais o termo 'O conceito tal e tal' ocorre no lugar do sujeito da predicação, isso não acontece: nestas frases, o termo 'O conceito tal e tal' poderia ser substituído no âmbito da frase por um qualquer nome próprio (e.g., 'Júlio César'), sem que a frase perdesse sentido (tornando-se apenas falsa) - já a substituição do termo 'O conceito tal e tal' por um termo geral no âmbito da mesma frase geraria um sem sentido; e sem sentidos surgem, tipicamente, quando se pretende predicar objectos de objectos, objectos de conceitos, conceitos de conceitos, ou conceitos de ordens superiores de objectos; d) A importância do holismo e da obediência ao princípio do contexto para o esclarecimento desta questão: um mesmo pensamento pode ser decomposto de múltiplos modos, dando origem a estruturas frásicas distintas; e um termo só pode ser identificado como um termo singular ou como um termo geral no âmbito de uma estrutura frásica particular (um modo particular de decompor um pensamento): neste sentido, assim como há claramente frases nas quais termos, que habitualmente surgem como nomes próprios, são, de facto, termos gerais (como é o caso, e.g., do termo 'Viena' nas frases seguintes: 'Só há uma Viena' ou 'Trieste não é nenhuma Viena'), também há frases nas quais o fenómeno inverso acontece (i.e., termos, que temos tendência a entender como gerais, são, de facto, nessas frases, termos singulares que referem objectos). e) Conclusão da argumentação: as considerações anteriores constituiriam evidência de que, nas frases de Kerry, o termo 'O conceito tal e tal', ao contrário do sustentado por Kerry, não referiria, de facto, um conceito, mas sim um objecto; logo, a tese da irredutibilidade ontológica conceito/objecto não seria realmente violada por Frege, e a posição de Kerry, de acordo com a qual essa distinção ontológica seria, na realidade, contextualmente dependente, seria, além de incorrecta, independente da posição proposta por Frege.