Continuação do estudo da Poética

24 Março 2020, 14:00 Adriana Veríssimo Serrão

24 Março 10h-12h (aula não presencial, sem contacto com os alunos)

Caros Alunos

Os meus votos de que se encontrem todos bem, protegidos e com ocupações, e com a prudência necessária para preparar o retomar da normalidade que se deseja regresse em breve.

Na impossibilidade de responder a cada um, envio a seguinte sugestão, de que ninguém (nem eu nem nenhum de vós) se lembrou. Seria bom que organizassem entre vós grupos para partilha de materiais e de informações, mas uma ideia melhor seria criar um mail de turma (como muitas turmas fazem). Basta que alguém tome a iniciativa. Assim, já poderia anexar ficheiros, o que neste momento me é impossível por razões de isolamento e limitações tecnológicas.

 

 

Continuação do estudo da Poética

 

Tópicos da Aula

Mimèsis: a imitação como fonte de conhecimento e aperfeiçoamento do natural (Física II, 8)

Causas naturais da imitação (cap.4).

 

Analogia entre a obra e o ser vivo: tal como no mundo natural, a arte (technè) segue um processo (energeia) que deve tender para o seu fim (telos) como realização completa (enteléqueia).

Compreensão da mimèsis em termos de processo diacrónico; do movimento (metabolè) que produz a obra como um ente singular determinado (ousia). A Poética liga-se à visão da natureza trata na Física.

 

Critérios formais / intrínsecos/ da obra: a adequação entre forma e fim

Equivalência entre beleza e perfeição, ou a concepção objectivista da beleza: a per-feição como acabamento de um processo.

7, 1450b34: completude, totalidade e extensão

7, 1451a 10: “quanto à extensão, o mais comprido é o mais belo”

13, 1453a 21: “a mais bela tragédia do ponto de vista da arte”

15, 1454b 9: “ao fornecerem a forma própria, pintam retratos semelhantes, mas em mais belo”.

 

Primado do critério do objecto

a) primado do objecto (enredo (mythos), os caracteres (ethos, pl. ethè) e o pensamento (dianoia) sobre os meios (expressão, ou elocução (lexis) / música, ou canto (melopoia) e sobre o modo (o espectáculo).

b) primado do enredo – homens em acção - sobre os caracteres e o pensamento (Cap.6).

1450a 15: a tragédia é representação, não de homens, mas de acções

O enredo não é o real dado, mas é constituído pela actividade poiética segundo uma correcta estruturação dos factos (sustasis).

Transposição da realidade em obra:

1451b 27: “não deixa de ser poeta por contar factos reais”

1451b 22: “não é preciso seguir exclusivamente as histórias tradicionais”

 

Tragédia e teoria das causas

A Poética liga-se à Metafísica.

A obra é um composto (sunolon) de matéria e forma

Causa material: o objecto (enredo, caracteres e pensamento;

-- causa formal: perfeição intrínseca/ regras da technè poética (para cada género)

-- causa eficiente: technè poética + o talento do poeta

 -- final: prazer próprio da catarse (ouvinte/ espectador/ leitor)

 

O fim da tragédia é a provocação da catarse como “prazer próprio” da obra trágica.

Cap. 13-14: o efeito trágico, as paixões ou emoções (pathos, pl. pathè) de temor (phobos) e compaixão (eleos).

a lógica própria da tragédia: - função intelectual e ética: - do prazer do reconhecimento à catarse como elevação (purificação/libertação/ sublimação)

 

Poética, Pedagogia e Ética

Cap. 4: prazer de aprender/ prazer de reconhecimento

Cap.25: ser, parecer, dever ser

1460 b 23: Sófocles (como devem ser), Eurípides (como são)

Função educativa da catarse

 

Poética e Linguagem

 --Teoria da metáfora (cap. 21-22): “bem metaforizar é ver (theorein) o semelhante” (1459a 4-8)

1. - do género à espécie: o meu barco parou / o meu barco está ancorado

2. - da espécie ao género: Ulisses realizou dez mil façanhas / Ulisses realizou um grande número

3. da espécie à espécie dentro de um género comum: (tirar):

Arrancando a vida com a brônzea espada

Cortando com o bronze indestrutível

4.- por analogia

- quando falta o termo

- por negação ou privativa

 

Por isso, a “poesia é mais universal do que a história”: uma obra singular que expõe um universal.

 

 Leituras complementares:

- O estudo mais esclarecedor é o de Paul Ricœur, La métaphore vive. Paris, Seuil, 1975; trad.port. A metáfora viva (1º estudo sobre Aristóteles). É possível que se encontre on-line.

- Também de Stephen Halliwell, diversos estudos sobre a Poética (existem na Biblioteca FLUL, mas é possível que se encontrem on-line).

- Importante para o tema da catarse: António Freire, A catarse em Aristóteles, Braga: Publicações da Faculdade de Filosofia, 1982.

 

- Uma interpretação/ ficção sobre o desaparecido ou inexistente tratado de Aristóteles sobre a comédia é o romance filosófico-policial de Umberto Eco, O Nome da Rosa.

 

- Embora a Poética não estabeleça “regras”, muitas interpretações posteriores reduziram-na a um conjunto de preceitos para a obra teatral.

Sobre a regra das “três unidades”: aconselho o filme de Hitchcock, The Rope

https://www.youtube.com/watch?v=93Gpm6kLZLk