A ESTÉTICA ANTES DE KANT
2 Abril 2019, 14:00 • Adriana Veríssimo Serrão
2. SENTIMENTOS ESTÉTICOS E ANTROPOLOGIA EM EDMUND BURKE
– A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful (1757); ed. de David Womersley, com o título A Philosophical Enquiry into the Sublime and Beautiful, London, Penguin, 2004 (contém a Introdução de 1759 "On Taste").
A afecção das paixões
Belo e sublime são ambos ideias (ideas) provocadas por qualidades das coisas, têm nelas a causa eficiente. O belo por qualidades como a pequenez, a variação gradual, a delicadeza, a cor, a graça, a elegância; o sublime por qualidades, tais a grandiosidade, a obscuridade, a vastidão, a infinitude.... Não resultam de um raciocínio, mas de uma afecção das paixões, sem intervenção de processos intelectuais.
Não é pela força de uma atenção e de um exame prolongado que julgamos belo um objecto; a beleza não requer nenhuma assistência do nosso raciocínio (reasoning); e mesmo a vontade lhe é indiferente; a presença da beleza desperta tão eficazmente em nós um certo grau de amor quanto a aplicação do gelo ou do fogo produz as ideias de calor ou de frio. (A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful, Parte III, II).
... a beleza consiste [...] numa qualidade dos corpos que age mecanicamente sobre o espírito humano, mediante a intervenção dos sentidos. (Enquiry, Parte III, XII).
... o gosto (Taste) [...] não é uma ideia simples, mas uma ideia composta, em parte de uma percepção dos prazeres primários dos sentidos e dos prazeres secundários da imaginação, e em parte dos veredictos da faculdade do juízo, no que concerne às várias relações dessas duas espécies de prazeres e no que diz respeito às paixões humanas, aos costumes e às acções dos homens. São esses os elementos constituintes do gosto e o fundamento de todos eles é o mesmo no espírito humano, pois como os sentidos são as grandes fontes das nossas ideias e, por conseguinte, de todos os nossos prazeres, a base inteira do gosto é comum a todos os homens e existe, portanto, um fundamento sólido para um raciocínio irrefutável sobre essas matérias. (Enquiry, Introdução).
A duplicidade dos prazeres e das paixões
Aconselha‑nos, pois, o bom senso que se deva distinguir mediante algum outro nome duas coisas de naturezas tão diversas, como um prazer (pleasure) que é simples e sem nenhuma relação com outro sentimento, daquele prazer cuja existência é sempre relativa e estreitamente vinculada à dor (pain). Seria muito estranho se essas afecções (affections), tão diferentes nas suas causas e de efeitos tão diferentes, devessem ser confundidos porque o uso vulgar os colocou sob uma mesma denominação genérica. Sempre que tiver oportunidade de falar sobre esse tipo de prazer relativo, chamo‑o de deleite (delight). [...] Tal como empregarei a palavra deleite para indicar a sensação (sensation) que acompanha a eliminação da dor ou do perigo; portanto, quando me referir ao prazer positivo chamá‑lo‑ei, na maioria das vezes, simplesmente de prazer (pleasure). (Enquiry, Parte I, IV).
O sublime, analogon delicioso do medo
Tudo o que seja de algum modo capaz de incitar as ideias de dor e de perigo, isto é, tudo o que seja de alguma maneira terrível (terrible), ou relacionado com objectos terríveis ou que opera de modo semelhante ao terror (terror) constitui fonte de sublime, isto é, produz a mais forte emoção (emotion) que o espírito é capaz de sentir. (Enquiry, Parte I, VII).
A paixão a que o grandioso e sublime na natureza dão origem quando essas causas actuam de modo mais poderoso, é assombro (Astonishment); assombro consiste no estado da alma no qual todos os seus movimentos se encontra suspensos, com um certo grau de horror (horror). (Enquiry, Parte II, 1).
A classificação final é ponderada em função das classificações obtidas nos seguintes elementos obrigatórios:
1. Uma prova escrita, a realizar na última aula de Março (26).
2. Uma prova oral sobre os tópicos e as leituras obrigatórias do programa. Para esta prova, os alunos deverão elaborar um ensaio escrito de extensão não superior a 5 pp. sobre uma das questões discriminadas no programa (em articulação com outro tópico/tema à escolha do aluno).
Dias: 13 e 14 de Maio.
Na classificação final serão tidos em conta o acompanhamento da matéria e a participação activa nas aulas.
II. A ESTÉTICA NA ESFERA DA RACIONALIDADE
1. BAUMGARTEN: A EMANCIPAÇÃO DO PENSAMENTO SENSÍVEL
Uma lógica do conhecimento sensitivo, Aesthetica (1750‑1758)
Sunt ergo nohta cognoscenda facultate superiore objectum logices, aisqhta episthmhV aisqhtikhV sive aesthetica. (Meditationes philosophicae de nonnulis ad poema pertinenbus (1735), §116).
Se os inteligíveis conhecidos pela faculdade superior são objecto da lógica, os sensíveis são objecto da ciência estética ou estética.
AESTHETICA (theoria liberalium artium, gnoseologia inferior, ars pulchre cogitandi, ars analogi rationis) est scientia cognitionis sensitivae. (Aesthetica, § 1).
A ESTÉTICA (teoria das artes liberais, gnosiologia inferior, arte de pensar com beleza, arte do analogon da razão) é a ciência do conhecimento sensitivo.
Aesthetices fines est perfectio cognitionis sensitivae, qua talis. Haec autem est pulchritudo. (Aesthetica, § 14).
A finalidade da Estética é a perfeição do conhecimento sensitivo enquanto tal. Ora esta é a beleza.
A sensibilidade como analogon rationis
Ad characterem felicis aestheticus generalem requiritur [...] Aesthetica naturalis connata [...], dispositio naturalis animae totius ad pulchre cogitandum, quacum nascitur.
A característica geral do esteta feliz [...] deve compreender a estética natural inata [...], que é a disposição natural da alma inteira a pensar com beleza, disposição com a qual se nasce. (Aesthetica, §28).
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Paul Klee, Escritos sobre Arte, Lisboa: Cotovia.
Sobre Kant
Leitura fundamental
Leonel Ribeiro dos Santos, “A Concepção Kantiana Da Experiência Estética: Novidades, Tensões E Equilíbrios”, in Idem, Regresso a Kant. Ética, Estética, Filosofia Política. Lisboa: INCM, 2012, pp.301-348.
Outras leituras
Leonel Ribeiro dos Santos, A razão sensível. Estudos kantianos. Lisboa, Colibri, 1994 (“O estatuto da sensibilidade no pensamento kantiano”; “Lógica e poética do pensamento sensível; “Sentimento do sublime e vivência moral”).
— "Kant e o regresso à Natureza como paradigma estético", in Cristina Beckert (coord.), Natureza e Ambiente. Representações na cultura portuguesa. Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2001.
— "Kant e a ideia de uma poética da natureza", Philosophica 29 (2007), 19-33.
Adriana V. Serrão, A razão estética. O conceito de alargamento do pensar na Crítica da Faculdade de Julgar de Kant (diss. Mestrado, FLUL), 1985.
— Pensar a Sensibilidade: Baumgarten – Kant – Feuerbach, Lisboa, Centro de Filosofia da UL, 2007.
Manuel José do Carmo Ferreira, "O prazer como expressão do absoluto em Kant. No 2.º centenário da Crítica do Juízo", in Pensar a Cultura Portuguesa. Homenagem ao Prof. Doutor Francisco da Gama Caeiro, Ed. Colibri/ Dep. Filosofia da FLUL, 1993, 391‑402.