Entrevista (1)
22 Abril 2020, 16:00 • Ernesto José Rodrigues
ENTREVISTA
É real ou fictícia, delas resultando, sempre, um retrato (ou auto-retrato, porque também há auto-entrevistas).
A fictícia é uma composição da inteira responsabilidade do jornalista: com o 'entrevistado' geralmente morto, reúne o que dele tem por pertinente – respostas anteriores ou que se lhe põem na boca em função de cortes num texto corrido – e, assim, aviva um retrato ou define uma questão.
Integrámos o retrato na reportagem porque este exige outra envolvência: como se chegou ao assunto, que 'luz' o envolve, por onde passa a 'moldura' deste rosto, etc. – isto é, demasiados elementos que, partindo de uma ou várias entrevistas (uma metodologia, ou, se quisermos, com Ph. Gaillard, «um género de reportagem particularmente denso», p. 76), transcendem estas para implicar, igualmente, o repórter.
Este óbice é regularmente contornado por ligeiras notações devidas ao entrevistador, que assinala os risos, exclamações, pausas, sinalética do interlocutor no seu próprio teatro de gestos.
É um pouco a forma mista, depois que a entrevista sob forma narrativa se aproximou demasiado da reportagem junto de um sujeito, do qual só aqui e ali vai nascendo algum discurso directo. A entrevista que agora nos interessa, como género, técnica e um fim em si é a que surge sob forma predominantemente dialogada.
A clássica entrevista individual confronta duas visões (dizer duas personalidades não prevê o facto tão corrente de o jornal poder enviar dois e mais redactores ou de, mesmo, a outra parte aparecer multiplicada) definidas na alternância de perguntas e respostas. Cabe numa antiquíssima arte da conversação, com certos aspectos doutrinariamente estudados desde o século XVI.
A situação entre parêntesis no parágrafo anterior daria uma mesa-redonda se a parte inquirida não representasse um colectivo unitário. Sendo, pois, várias as cabeças e os sentimentos confrontados com um ou mais jornalistas à volta de uma mesa e de uma série de matérias, temos essa espécie de entrevista que mais espaço costuma ocupar, às vezes dividido por várias edições.
Cabe aos anfitriões, quase sempre na própria Redacção, dirigir e moderar, jogando a favor da novidade as eventuais contradições e a geral controvérsia. Uma variante deste processo encontra-se no seminário académico, com apresentação de assunto seguida de debate.
Numa relação mais distanciada, com um ou mais porta-vozes e ombreados por jornalistas concorrentes, dá-se a conferência de Imprensa, que se distingue, ainda, por a iniciativa partir do exterior.
Variante desta, à partida mais importante e recente, é a pool, em que se sorteia (e até falseia) um conjunto de repórteres credenciados para espaço reduzido. Tornou-se usual em cenários de guerra e demais catástrofes.
Iniciativa de dentro ou de fora – e, neste caso, a rogo da Direcção – é a sondagem, que resulta numa série de quadros e gráficos, com leitura da Redacção. Baseia-se num universo definido de respondentes e numa bateria de perguntas breves e claras sob forma de inquérito.
Este, por seu turno, é uma pequena entrevista, também ao vivo (num frente-a-frente, por telefone) ou por escrito, a que vários entrevistados sucintamente respondem à mesma ou mesmas questões, destacadas graficamente do conjunto. O que há de discurso jornalístico na sondagem perde-se ou reduz-se aqui; o que, além, é demorada análise, interpretação, resumo passa, aqui, a discurso directo; se aquela vive por si, este acompanha, muitas vezes, a actualidade mais premente e é menos 'politizado' - embora uma sondagem de opinião possa versar a infinidade de assuntos de que se faz a mesma opinião...
Os objectivos e métodos é que devem ser explicados nos dois casos, desde logo porque o inquérito, apesar de hiper-selectivo, parte de mais fraca amostragem; aqui, as conclusões calham mais ao leitor.
Destas espécies, a conferência de Imprensa, aparentemente 'mexida', é a menos viva e, até, concorrida. Escolhe-se a hora em função da hora de fecho dos jornais, mas, desde a véspera, se não quer limitar-se ao press-release ou a um discurso quase sempre formalizado em comunicado, o redactor já pode saber o que se vai passar num espaço dominado por quem convida – e que responde como entende ou sai quando lhe apetece.
A pool sofre destas pechas, embora aconteça mais em cima da hora e a sua natural selectividade e particular matéria justifiquem outra atenção e presença.
A preparação já é diferente quando a iniciativa cabe ao jornalista. Desta feita, mais do que ensaiar um tema multiplicado pelos vários ângulos informativos que o repórter vai encontrar, o entrevistador treina uma miríade de temas possíveis encadeados no discurso de uma só personalidade ou entidade. Em mesa-redonda, tudo cresce geometricamente.
Ideal é conjugar o peso da visão que o entrevistado possa facultar e o interesse do tema, deste modo acedendo à actualidade, se lhe não preexistia.
Uma entrevista, marcada com antecedência e reconfirmada, exige a anotação de perguntas ou pontos-base como se fossem avançados pelos diferentes tipos de leitores.
A garantia de fidelidade ao que é dito on (e muito pode haver off the record) talvez peça gravação, o que as partes definirão, bem como saber se a peça já redigida é previamente conhecida, no essencial ou no todo, pelo entrevistado. O bom trato tudo resolve.