Géneros jornalisticos
1 Abril 2020, 16:00 • Ernesto José Rodrigues
[Repete-se texto já constante de www.culturaport.blogs.sapo.pt. Visa-se maior atenção à 'crónica'.]
Temos falado, quase só, de Informação e aqui voltaremos no essencial deste capítulo. Ao referirmos os quinto e sexto elementos do lead, assinalámos que há um "como" as coisas acontecem e, também, um "porquê". São, já, domínios da análise e da interpretação – típicos, p. ex., da reportagem ou do inquérito, que, nem por isso, deixam de pertencer à Informação –, e, em termos gerais, da Opinião, a qual, partindo sempre do acontecido, dele se liberta paulatinamente. Vejamos as modalidades desta.
OPINIÃO
Qualquer assunto noticiado pode merecer uma tripla abordagem opinativa: editorial (da direcção), comentário (do jornalista ou editor) e opinião propriamente dita (de colaborador).
O primeiro decorre de um estatuto editorial por que toda a publicação se rege. Assinado, ou não, pelo director e/ou director-adjunto, responsabiliza a linha do jornal.
Carreados elementos informativos e argumentos clara e metodicamente expressos, toma-se uma posição, evitando transformá-lo em panfleto.
Nasceu do artigo de fundo que inundava a primeira página na Imprensa oitocentista, maioritariamente votada à defesa do partido ou de famílias políticas, religiosas e outras. O redactor político, que não precisava de assinar, ascenderia, cedo ou tarde, a lugares de eleição.
Hoje, pede-se verdade, isenção e objectividade, além de brevidade (alguém chega a propor uma média de 4 600 caracteres) e clareza. Caluniar ou difamar não constam do programa; e hemos de equacionar a relação público-privado, denunciando este se, de facto, vem reflectir-se negativamente na coisa pública.
Há uma exposição sucinta do acontecimento confirmado, segue-se um desenvolvimento cartesiano que opera do mais simples para o mais complexo, desaguamos em conclusão não forçosamente unilateral ou dogmática.
Para bom compreendedor, o colorido do tom e a veemência de algumas posições só por milagre, acaso ou grande arte não deitarão a perder a suposta objectividade. Mas é um horizonte a atingir.
O comentário (em princípio, graficamente solto) do jornalista ou editor da página, precedido de breve análise e propostas de interpretação, é antecâmara de sentido para o editorial.
Sem querer ludibriar o leitor, ou apertá-lo numa teia de posições alheias que o redactor toma como suas, passa-se tal responsabilidade para colaboradores regulares/episódicos, que marcarão o ponto de vista que, sempre dentro do estatuto editorial, entenderem marcar.
Os equívocos e dados positivos que desta tripla conjugação aflorarem justificam a participação dos leitores, enquanto partes directa ou indirectamente interessadas.
Para lá da secção própria de correspondência – desde as primeiras décadas de Oitocentos, e mesmo no espaço nobre do folhetim –, a publicação faz prova de isenção se do próprio corpo redactorial fizer emergir um jornalista provedor dos leitores (ombusdman), independente da direcção e administração.
Neste quadro – quando não é a folha a motivá-la –, nasce uma forma rica e de largas tradições na Imprensa e na literatura que é a polémica, desembocando tantas vezes num registo "baixo". Tivemos cinco grandes momentos nesse âmbito: a recepção setecentista ao Verdadeiro Método de Estudar, de Verney, e, com larguíssimo e fundamental desenvolvimento na Imprensa periódica, a polémica à volta da públicação do poema anti-ibérico D. Jaime (1862), de Tomás Ribeiro, que prenunciava a ruidosa Questão do Bom Senso e Bom Gosto (1865-66) e a dissolução das Conferências do Casino (1871). A derradeira seria a reacção popular e intelectual ao Ultimatum inglês de 1890.
Entre os autores, Camilo Castelo Branco, multímodo colaborador de Imprensa, leva, por certo, a palma, seja pela quantiosa actividade neste domínio, seja pela virulência com que respondia aos detractores.
Espécies da tipologia que avançamos são, pois, o artigo de análise e de opinião (se conseguirmos destrinçar entre ambos), o artigo de fundo propriamente dito (que não responsabiliza quanto o editorial), o apontamento, o bilhete, o eco - conforme a mancha gráfica se reduz e ganha em densidade, pessoalização, crítica e humor, mesmo.
Estas serão devidas a gente da casa ou de fora, assinadas também por iniciais e, até, nomes enigmáticos (vejam-se os bilhetes de Vítor Direito na página 2 do Correio da Manhã, brevíssimos editoriais que já trazia da última página do antigo República, e o cortante Au Jour le Jour, antes, não-assinado, na primeira página do Monde, agora regressado à última sob nome factício).
Já o colunismo, por seu lado, convida personalidades de fora, sendo mister referir o que decorre da crítica e da crónica.
A crítica varia quanto à matéria (desportiva, tauromáquica, teatral, etc.; o mesmo se passa com a crónica) e quanto à sua formalização. Se descermos à particularidade literária, subdivide-se em mera impressão ou juízo de valor, em nota, recensão, ensaio, tratado, sistema.
Há uma importância crescente nesta hierarquização, já com foros de revista literária e até universitária a partir da recensão: é preciso dizer do que consta a obra ou artigo em causa e questionar os pontos mais fracos, dando-lhes solução ainda que provisória. O ensaio também chega a ocupar as efémeras páginas de um diário; jamais os dois últimos.
A crítica e a crónica tiveram uma infância jornalística próxima, que chegou a confundir-se. Muito ficaram a dever a outro espaço - aquele que, efectivamente, mais concorreu para que se fale em mass-media e que, hoje, ressurge de forma insuspeitada. Estamos a falar do folhetim.
Pela sua importância, algumas breves palavras na próxima aula.