Notícia: definição
18 Março 2020, 16:00 • Ernesto José Rodrigues
DEFINIÇÃO
A mais recente definição de notícia - ou a proposta de um programa, se quisermos - é de Augusto Delkáder (El País, supl. Babelia, 11-9-1993): «Os factos, os dados. A emoção rigorosa. Perturba a nossa vida. Aumenta as paixões e divide as opiniões. O facto rompe a ignorância. Destrói a incomunicabilidade. Iguala os cidadãos. Crisol da sociedade plural. Fronteira da sociedade democrática. Objecto precioso para a manipulação. Tesouro que interessa ao poder. Matéria substantiva do ofício de jornalista. Quando souberes algo, procura contá-lo. Sempre que interesse a toda a gente. Pelo menos, pensa que assim é.»
Já definição clássica, e sucinta, que enquadra a anterior sem dela tomar o alcance político, social, etc., é a de Ricardo Cardet (Manual de Jornalismo, 2ª ed., 1979, p. 38): «Notícia é um facto actual com interesse geral.» Pressupõe-se que se trata de um facto verdadeiro, novo, facilmente comunicável segundo critérios de rigor e objectividade. Vejamos mais devagar.
O conceito de actualidade varia com o tempo, a periodicidade informativa, a qualidade da recolha do material.
Quando o Diário de Notícias de 24 de Março de 1865 dava, na primeira página, a crónica do dia, esclarecendo que «Em Macau havia socego á data de 30 de janeiro» (ou dizia: «Do Japão não ha novas importantes.»), é evidente que tal era notícia, porquanto o tempo da recolha na fonte seria recente (um navio chegara na véspera, p. ex.). Quando o mesmo jornal narrava eventos lisboetas de duas semanas antes, acaso requentados sobre a mesa da redacção, podia estar a fazer valer o interesse sobre a actualidade, se não era, simplesmente, a necessidade de preencher um buraco.
A norma das 24 horas a que sobrevive a notícia, se se trata de um diário, é ideal nem sempre cumprível. Há muitos 'retirados' [peças que não couberam] de última hora ou textos que pacientemente aguardam vez. Não raro, esperam por acontecimentos súbitos que os façam emergir e funcionar como background da notícia.
Em qualquer dos casos, há que dar, sempre, a volta ao texto, de modo a justificar uma inserção ainda que tardia. Aí entra o duplo conceito de significação (do ponto de vista da notícia) e de interesse geral (para os leitores).
Nos semanários, este aspecto é mais visível, quando, em vez de um qualquer desenvolvimento, a notícia já com barbas, sem deixar de ter a actualidade própria dos hebdomadários, só entra pela importância que, apesar de tudo, se lhe reconhece. O critério não é, pois, fazer a soma da semana; mas, tendo em conta a massa de leitores que não compra diários, facultar algo de verdadeiro que se considera simultaneamente importante, actual e com interesse.
O conceito de novidade actualiza a matéria. Podemos substituí-lo pelo de oportunidade, pois sabemos que este conceito rege (em demasia, na Imprensa sem autonomia) o quadro noticioso. Quando um vespertino dá o que os matutinos já trouxeram, apresenta algo de novo, mas não inédito; o mesmo se dirá dos matutinos concorrentes.
Daí que se persiga o inédito, o exclusivo, a cacha. Interessa o menos provável, o que se tem por raro ou singular. É isso que desperta a curiosidade, faz-se útil e tem impacto. Toca-nos ao vivo se lembrarmos um conceito decisivo na Imprensa regional: o da proximidade (ver III).
Supostas estas condições, perguntamo-nos se tudo é comunicável. O jornalista torna-se decisor; conhece as suas defesas e os seus limites. Tem o direito a informar, mas não a deformar e difamar; há segredos que poderá revelar ou calar até melhor oportunidade; nunca deve ter a sensação de estar a fazer um frete ou ter consciência de ser manipulado. Só então, munido da objectividade possível (diversa da do historiador, que não obriga hora de fecho), se abalança à redacção da notícia. Trata-se de alguém que, ainda no estilo mais neutro, compromete uma subjectividade que previamente recolheu, seleccionou e valorizou os dados da observação e da experiência. Não se resguardará, assim, por norma, num pseudónimo, gentílico, nome paródico, abreviatura ou em asteriscos. Até que ponto, entretanto, se transforma a notícia em «emoção rigorosa»?