Notícia: redacção

11 Março 2020, 16:00 Ernesto José Rodrigues

B) Redacção

Nome e adjectivo                                        

       NÚMERO

       1. Os nomes (ou substantivos) pedem consulta regular de uma gramática da língua, nomeadamente por causa da formação do plural. Vejamos alguns casos pertinentes.

          1. 1. Nos compostos de dois substantivos, de um substantivo e um adjectivo ou de um ordinal e um nome, usam-se ambos no plural: couve-flor, couves-flores; porco-espinho, porcos-espinhos; redactor-chefe, redactores-chefes; tenente-coronel, tenentes-coronéis; quinta-feira, quintas-feiras; pequeno-almoço, pequenos-almoços; capitão-mor, capitães-mores; obra-prima, obras-primas; amor-perfeito, amores-perfeitos.

          1. 1. 1. Exceptuam-se os casos em que o segundo elemento contém a ideia de finalidade, complementaridade, semelhança: café-concerto, cafés-concerto; escola-modelo, escolas-modelo; navio-escola, navios-escola.

          1. 1. 2. Ligados por preposição, com ou sem hífen, incluindo presença de verbo, muda-se só o primeiro elemento: água-de-colónia, águas-de-colónia; pão-de-ló, pães-de-ló; pé-de-cabra, pés-de-cabra; copo-d'água, copos-d'água; pronto-a-vestir, prontos-a-vestir.

          1. 2. No caso de adjectivo (não apocopado) e de substantivo, varia este: baixo-relevo, baixo-relevos; grão-mestre, grão-mestres; grã-cruz, grã-cruzes.

          1. 2. Quando se trata de verbo, ou elemento invariável, e um substantivo, só este muda: guarda-chuva, guarda-chuvas; guarda-sol, guarda-sóis, guarda-roupa, guarda-roupas; ganha-pão, ganha-pães; beija-flor, beija-flores; abaixo-assinado, abaixo-assinados; ex-ministro, ex-ministros.

          1. 2. 1. Se o nome já está no plural, o primeiro elemento mantém-se invariável: o troca-tintas, os troca-tintas; o quebra-noz, os quebra-nozes; o guarda-jóias, os guarda-jóias; o saca-rolhas, os saca-rolhas; o papa-moscas, os papa-moscas; o papa-jantares, os papa-jantares.

          1. 2. 2. Quando o segundo elemento tem um certo cunho estrangeiro (latino, p. ex.), ou quando o nome é composto de palavras repetidas, muda esse segundo elemento: ave-maria, ave-marias; padre-nosso, padre-nossos; salve-rainha, salve-rainhas; lufa-lufa, lufa-lufas; zunzum, zunzuns.

          1. 2. 3. Muda o verbo, quando último elemento do composto: bem-me-quer, bem-me-queres; malmequer, malmequeres.

       1. 3. Fora dos compostos, anotemos plurais não raro problemáticos:

          1. 3. 1. A partir de ão: capelães, escrivães, sacristães (ou sacristãos), tabeliães; cidadãos, cortesãos, grãos, pagãos; acórdãos, bênçãos, órgãos, sótãos, órfãos; aldeões, aldeãos, aldeães; anciões, anciãos, anciães; guardiões, guardiães; vilões, vilãos.

          1. 3. 2. Terminados em consoante, menos l, m, s, a que se junta es: carácter, caracteres; júnior, juniores; sénior, seniores; líquen, líquenes; abdómen, abdómenes; cânon, cânones. Mas: ámen, amens.

          1. 3. 3. Se os que terminam em s, não oxítonos, recebem es – ananás, ananases; revés, reveses –, já os não oxítonos quedam invariáveis: lápis, pires, cais, ourives, alferes, atlas, oásis.

          1. 3. 4. Apenas no plural, entre muitos: algemas, alvíssaras, anais, arredores, belas-artes, calendas, cócegas, condolências, efemérides, endoenças, entranhas, escombros, exéquias, férias, núpcias, olheiras, pêsames, primícias, tréguas, víveres.

       2. A formação do plural – e do feminino – dos adjectivos compostos prevê que, tratando-se de dois adjectivos ou de um adjectivo e um substantivo, «ambos recebem as desinências de feminino e de plural»: verde-negro (verde-negra), verdes-negros (verdes-negras); surdo-mudo (surda-muda), surdos-mudos (surdas-mudas).

       Pilar Vázques Cuesta e M. A. Mendes da Luz, que citamos (Gramática da Língua Portuguesa, s/d, p. 384), acrescentam que, «se se trata de adjectivos gentílicos, apenas o segundo é afectado pelas marcas de feminino e de plural»: luso-brasileiro (luso-brasileira), luso-brasileiros (luso-brasileiras).

       O caso do plural de social-democrata cabe neste apartado. O uso, que resulta de um sentimento da língua na massa falante, vulgarizou sociais-democratas. E bem. Di-lo F. Rebelo Gonçalves no seu Vocabulário de Língua Portuguesa (Coimbra Editora, 1966).

Em dois locais, pelo menos, é defendido social-democratas, ignorando, ambos, que esta regra só se aplica aos gentílicos. (Ver Livro de Estilo e Prontuário da LUSA (1992, p. 84) e Edite Estrela, Dúvidas do Falar Português III , 1988, p. 61-62.) Esta fala, mesmo, do primeiro elemento como «invariável», por ser «forma reduzida do adjectivo socialista» e antepõe aos franceses, que dizem tudo no plural, o socialdemócratas castelhano, esquecendo que, aqui, não há hífen e dando a entender que o Francês é menos derivado do Latim que os idiomas ibéricos... Ora, o nosso social-democrata vem do francês social-démocrate. No Expresso de 17-I-1986, Edite Estrela quer-se erradamente taxativa: «Tenho para mim, apoiada pelos gramáticos, pelos dicionaristas e pelo uso, que democrata é sempre substantivo, e democrático a forma adjectiva.» Não me parece… Respondia a reparo de José Neves Henriques, na edição de 10-I, justificando o duplo plural.

 

       GÉNERO

       3. Quanto ao género dos substantivos, registemos exemplos mais presentes (segundo Português Fundamental, vol. I, tomo 1 – Vocabulário, 1984):

          3. 1. animados biformes: ateu, ateia; avô, avó; cristão, cristã; deus, deusa; frade, freira; genro, nora; o guarda, a guarda; judeu, judia; marido, mulher (preferível a esposa, na escrita jornalística); o ministro, a ministra; poeta, poetisa (escreve-se cada vez mais «a poeta Natália Correia», p. ex.).

          3. 2. animados uniformes absolutos: o árbitro, o barbeiro, o bebé (já se ouve a bebé), o bicho, o bispo, o caracol (admite-se a caracoleta), o carapau, o carpinteiro, o casal, a cobra (mas também se vê o cobrão), a equipa (afastar equipe), o indivíduo (em registo popular, a indivídua), o juiz (sem acento agudo; tende-se a aceitar a juíza), o papa (embora, historicamente, seja referida uma papisa), o polícia (tendência para a polícia, com chegada das mulheres à profissão).

          3. 3. animados uniformes relativos: artista, chefe, cliente, colega, comunista, doente, emigrante, estudante, fascista, jornalista, jovem, parente, presidente, protestante, remetente, representante, socialista, turista, utente.

      

       VERBO

       4. Passando ao verbo, colocá-lo no plural se segue ou antecede vários sujeitos: O professor e o aluno saem da escola; à porta, mostravam-se a vizinha e um visitante.

          4. 1. Neste exemplo, com um singular contíguo, aceita-se: mostrava-se a vizinha e um visitante.

          4. 2. Se o sujeito é uma expressão partitiva, o verbo pede singular: metade dos formandos saiu; a maioria não está de acordo; uma boa parte optou por desertar.

          4. 2. 1. Pretendem alguns dizer Quarenta e um por cento afastou-se, mas Quarenta e dois por cento afastou-se ou afastaram-se, porque, aqui, estaríamos perante um pronome plural. A partir de dois por cento, digamos sempre no plural.

          4. 3. Quanto ao verbo ser, concorda com o nome predicativo do sujeito no plural: Aquilo eram só mentiras; tudo foram palmas e alegria; o que temo são os exames; o coração dele são [= é constituído por] alegrias e tristezas; amanhã, são 2 de Novembro.

          4. 3. 1. Ser fica no plural se o sujeito é expressão numérica considerada na sua totalidade: Quarenta e um espectadores é um total muito fraco; dois crimes é bastante.

          4. 3. 2. Ser concorda no plural, quando com os sujeitos pronominais isso, isto, aquilo, o (que) e o predicativo expresso por substantivo plural: Tudo na terra são dores; isso eram bocas.    

         4. 3. 3. O mesmo quando o sujeito é expressão de sentido colectivo: o resto são ciúmes; o mais eram defeitos.

        4. 4. Infinitivo.

        4. 4. 1. Empregos da forma não flexionada, ou impessoal.               

       4. 4. 1. 1. O sujeito do infinitivo é o mesmo do verbo subordinante: Os bombeiros receberam ordens para abandonar o prédio.

       4. 4. 1. 2. O sujeito do infinitivo é um pronome: A testemunha viu-os atacar a viatura.

       4. 4. 2. Emprego do infinitivo pessoal.

          4. 4. 2. 1. O sujeito do infinitivo é diferente do verbo subordinante: Os bombeiros verificaram serem muitas as dificuldades.

          4. 4. 2. 2. Em frases subordinadas circunstanciais, iniciadas por «para» (finais), «até», «antes de», «depois de» (temporais): O fornecimento de água será interrompido até os museus regularizarem os seus pagamentos; temos mísseis com capacidade para transportarem ogivas nucleares.

          4. 4. 2. 3. Quando o sujeito é o mesmo, usa-se a forma pessoal ou impessoal: Iniciaram uma vigília para apelar/apelarem ao fim do conflito; os trabalhadores retomaram o serviço depois de aceitar/aceitarem as condições. [Do Livro de Estilo e Prontuário da Lusa, adaptados]

          4. 5. Gerúndio. Ou é desnecessário, ou conhece formas alternativas mais compreensivas.

          4. 6. Verbos do Português Fundamental passíveis de erro: atrasar, cair (recair; sempre: caiu, caem), compreender, consertar, contactar, contratar, coser, cozer, descansar, eleger (elejo, eleges), enxugar, pôr (todos os compostos de pôr sem circunflexo: expor, impor, propor, etc.), proibir (proíbe, proibido), querer (quer e não quere; mas quere-o), reflectir, sair (saiu, saem).

          4. 6. 1. Desaconselhamos dever de (Devia de fazer); alertamos para o risco, alegremente assumido, de dizer: não se tratam de, haviam muitas pessoas, quando é: não se trata de, havia muitas pessoas. Outro tal se dá em: Vão haver dois colóquios, quando, naturalmente, é simples dizer: Vai haver. Das muitas regências em que se peca, lembre-se que é: um bolo, de que gosto, e não: um bolo, que gosto.

          4. 6. 2. Outros: concluir (concluem), desequilibrar, deslizar, dizer (dissemos), doer (doem), fazer (fizemos), influir (influem), intervir (interveio e nunca interviu), paralisar (ver paralisia), poder (pudemos), pormenorizar (melhor do que detalhar; donde, pormenor e não detalhe), preceder, trair (traiu), privilegiar, reunir (as intervenções; reunir-se com), ter (tivemos), verificar (bem melhor do que constatar; donde, verificação e não constatação).

                   4. 7. Redobrar de cuidados no âmbito da sintaxe, por força da influência brasileira ou de particularismos locais: O presumível homicida, que na véspera se dirigiu [e não: dirigiu-se] a casa da vítima, etc.