Questões de imagem

6 Maio 2020, 16:00 Ernesto José Rodrigues

Um jornal dito de referência não costumava primar, nos seus cadernos informativos, por um aspecto gráfico revolucionário. A imagem compunha a página, sim, mas não se autonomizava ou despertava para o texto que acompanha.

       Aos poucos, mesmo esses títulos da Imprensa internacional passaram a cuidar-se, em lentas mudanças internas, do grafismo à colocação dos "bonecos", que, numa civilização do olhar, adquiriram outra mobilidade.

       Em Portugal, conquistada a mancha tablóide na maioria dos casos, são raras as excepções que diária ou semanalmente se cuidam: a carga informativa do material iconográfico é quase nula, por repetitivo, vendo-se obrigado a tapar buracos; ignora-se, também, o jogo com outros elementos além da fotografia: o tão precioso cartoon, a aposta nas caixas, a apresentação em negativo, a abertura dos filetes (e que tipo de filetes), as vinhetas, capitulares, etc.

       A própria tipografia (tipos e corpos usados, relação entre caixa alta e baixa...) deixa muito a desejar e os avanços tecnológicos escamoteiam dramas mínimos, mas significativos, qual o da translineação, em que a divisão silábica sofre tratos de polé.

       O repórter fotográfico está ao nível de quem redige a mesma reportagem. Acompanhando, em repetidos instantâneos, a actualidade, concorre no interesse que a folha pode reforçadamente despertar e acumula, na sua câmara, um arquivo explosivo a utilizar em data oportuno.

       A força dos seus cliques, antes ainda de ela valer por si, já se nota nas fotolegendas: o breve apanhado substitui o artigo esforçado de que qualquer redactor é capaz, embora a contragosto. Observa-se a sua autonomia quando – a despeito do que alguns asseveram – a curta legenda joga com o título e lhe acrescenta, mesmo, a faísca informativa que responde por completo à curiosidade do leitor apressado. Com o título, é uma das primeiras coisas que lemos.

       A colocação da legenda – em baixo, centrada ou à esquerda, com ou sem pontuação, em negativo ou não; ao lado, em cima ou em baixo, eventualmente em escada – decorre da linha gráfica da publicação. O mesmo para o número de linhas, quase sempre uma. Retratos pessoais ou reproduções no corpo da peça facilmente inteligíveis não requerem legenda.

       É mau, todavia, aceitar cegamente as indicações que procedem dos inúmeros gabinetes de Imprensa, sempre solícitos no envio de material legendado, ou das agências: o risco é repetir, por preguiça, um conjunto não-inédito cujo texto saiu igualmente noutros jornais. Aí, o leitor desconfia da falta de imaginação.

       Essa imaginação depaupera-se, ainda, no repetitivo enquadramento das fotos, sobretudo de personalidades regularmente em página – e mais se o arquivo não as renova, o que cria desfasamentos, de idade e físico, por fim risíveis.

       Se não há tempo para retoques, há, pelo menos, para cortes, valorizando aspectos que, no conjunto, passariam despercebidos. Cada foto tem, nas costas, a vida atribulada por que passou: publicação a que se destina, tamanho, página, lugar, ao alto, ao baixo, reduzida ou ampliada...

       Justapô-la ou colocá-la ao lado de outra com iguais medidas não se faz. Personagem de perfil não se põe na margem a olhar para fora da página.

       O senão destes processos é a manipulação, em que todos os regimes políticos – incluindo os democráticos – fazem gala: é fácil apagar de um acto solene o responsável caído em desgraça ou que não nos interessa; fabricar verdades 'históricas' com a magia da fotomontagem.

       É bem verdade, todavia, que tudo o que acima fica dito integra a agradável paginação universalmente procurada (item em que há jornais de província pavorosos, mas enfim...). Parte daí o convite à leitura. E, claro, se um jornalista perdeu o dia a recolher, seleccionar e valorizar material, ele quer ver o trabalho graficamente reconhecido; de outro modo, desanima.

       Regionalmente falando, a hierarquização de sentidos que cada peça constitui depende do supracitado conceito de proximidade.

       A paginação, distribuindo, fá-lo por escalas e medidas de importância, cria relações entre os materiais, destaca colunas, lateralizações ou assuntos. Tudo isso já era evidente na maquetagem.

       Com um mínimo de referências a que o leitor se habituará – título das secções, colocação do nome da publicação, data e número de página, índice ou sumário, ficha técnica, chamadas, remissões, sínteses, etc. –, persegue-se um equilíbrio que se deseja harmonioso. Nasce, com certas publicações, uma relação afectiva extraordinária, propósito, afinal, de todas elas.

            Um editor (quando não o chefe de redacção ou o director, no caso da primeira página) tem, assim, não pequena responsabilidade; ideal, por congraçar as diversas vontades e melhor conhecer esse objecto na sua globalidade, será um redactor-paginador.