Questões de imagem (2)

8 Maio 2020, 16:00 Ernesto José Rodrigues

Neste interlúdio, não esqueçamos a publicidade: ela já 'marcou' muitas páginas e deixou o espaço que os redactores se dividem. Torna-se relativamente fácil, para quem está dentro, escrever à luz dessa contingência. Quanto àquela, paga-se à altura dos espaços que ocupa: da 'orelha' na primeira página à última, das segunda e terceira às centrais, do ângulo superior direito na ímpar (esquerdo na par) à utilização de cor, tudo serve para cobrar mais. 

       Cada jornal escolhe, pois, as suas páginas e espaços 'nobres' e trata-os em conformidade: no século passado, os rodapés folhetinescos eram os de mais vasta leitura e, em muitos lares, religiosamente recortados.

       A quarta e última caía, então, sob a alçada da publicidade e o mesmo fazem, hoje, conspícuos diários internacionais. Mas costuma guardar-se para as 'últimas' – textos de última hora –, ou fazendo actualidade com a primeira, que lhe lança os continuados.

       Ainda existe Imprensa de província que nela insere longas colaborações, cujas continuações revertem para páginas interiores, não raro de mistura com a publicidade, o que é desaconselhável: andar para trás é perder tempo. [Já agora, escreva-se: Continua na p. / pág./página 3, e não: na 3ª pág.]

       As centrais são importantíssimas na Imprensa regional. Em terras pequenas e em jornais de poucas páginas, subsiste a ideia de centro, onde todos se encontram. Sem as quebras das outras, as centrais significam a mais vasta respiração de peças fortes, necessariamente com chamada na primeira.

       A terceira (la terza, como dizem os italianos) também assegura continuados da primeira, nuns, ou liberta-se por completo: reserva-se, em Itália, para os cronistas de nomeada (a que Le Monde dá a segunda, logo seguindo pela diplomacia estrangeira, como desde a segunda faz El País), enquanto os tablóides sensacionalistas ingleses oferecem a tradicional jovem sem adereços...

       Experiências modelares como Libération e o Público anunciam uma primeira linha forte que se constitui dossiê nas páginas 2, 3 e, eventualmente, seguintes.

       São órgãos, de resto, que abrem 'janelas' e jogam com brancos, como para respirar da densidade informativa.

       O debate sobre a primeira – 'montra'? diagramação mista? ou nada disso? – está para durar.

       O mesmo no campo minado e excitante da titulação: esta já não cobre, na totalidade, os textos e (parcialmente) as ilustrações a que se re

fere, embora haja maior cuidado em não deixar tocar-se dois títulos.

       Um a toda a largura da página (seis colunas) nem sempre é a melhor solução: quantas vezes a peça não aguenta a importância que lhe querem conceder? 

       A melhor Imprensa espanhola, p. ex., parte a linha de título no artigo ou, mesmo, a palavra, o que nunca ocorre entre nós. Quando houver números a abrir título, escrevam-se por extenso.

       Duas cercaduras também não podem tocar-se. Os filetes não devem formar 'escadas'. Intertítulos em fim de coluna atordoam mais do que as também lamentáveis palavras penduradas ao cimo da coluna formando uma linha caída.

       Sentimos que deveríamos tratar longamente a encenação em que a actividade jornalística se metamorfoseou, mais por culpa do pequeno ecrã, onde o repórter e pivô viraram actores. Quebrando a velha sobriedade na apresentação e postura, são chamados, entretanto, a dar a cara a campanhas publicitárias, que tudo dominam.

       A mensagem fabrica vedetas que, por seu lado, se oferecem ou entregam às máquinas de vender outro tipo de estrelas, desde sabonetes a automóveis. Entre o meio e a mensagem havia alguém; deixou de haver, pois o próprio intermediário já é mensagem.

       Em crónica do Diário de Notícias (29-10-1993), Pedro Rolo Duarte não esteve com meias medidas: «O jornalismo faz-se cada vez mais de imagens fortes, de títulos apelativos, de grafismos arrojados e de um estilo que o aproxima da mensagem publicitária. Uma primeira página, uma capa, um lead, não são muito mais do que anúncios. No mesmo plano, a publicidade já não é mais o papão mentiroso que impinge e vende indiscriminadamente.»

       O conhecimento dos públicos a que se destina o produto jornalístico é, assim, uma urgência, o que, nas parcas tiragens e terras pequenas, vem facilitado, quer se faça uma sondagem de audiência, quer se analise a correspondência recebida (incluindo, p. ex., um cupão em sucessivas edições).

       A intenção é aproximar a linguagem e as temáticas dos estratos receptores, não ignorando que há uma linguagem massmediática com características próprias, que os redactores aceitam ou não. [Ver o cap. V de A Comunicação Social, por Adriano D. Rodrigues, 2ª ed., 1980. Para a invasão publicitária, e do mesmo autor, O Campo dos Media, 2ª ed., s/d.]

       Da conjugação destes factores - que vão de uma simples legenda à relação com a publicidade - nasce a imagem de um jornal enquanto instituição e do seu destino na sociedade. Sobre ele e os seus redactores, entretanto, pesam responsabilidades cada vez mais diluídas na vertigem dos dias.


Final do semestre.


Importante: 

O exame final para Não Avaliados ou com nota negativa será no dia 3 de Junho, às 16 horas. As respectivas questões serão colocadas nesta página. As respostas, até às 18 horas, serão enviadas para ernestorodrigues@campus.ul.pt