Do Grotesco ao Brutesco: evolução de um género de decoração oriundo do classicismo romano.

18 Novembro 2019, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

O sentido do Fantástico e da Subversão decorativa encontrou em 1480 um novo e inesperado condimento com a descoberta, nas catacumbas de Roma, dos salões dos antigos palácios imperiais vde Tibério e de Nero, todos decorados com uma pintura de tipo profano, licenciosa e cheia de caprichos, com candelabra, cariátides, monstros, troféus, enrolamentos florais, ferronerie e temas mitológicos ou eróticos, a que os artistas do Renascimento chamaram grottesche (de grotte). Rafael de Urbino será um dos grandes divulgadores desse mundo do Grutesco, usando esses temas nas Logge do Vaticano, na gallerietta do Cardeal Bibiena, e em outras obras, bem como seus seguidores Giovanni da Udine e Perino del Vaga, entre muitos outros. A historiadora Nicole Dacos estudou muito bem este tema num célebre livro de 1969 sobre La Découverte de la Domus Aurea. As gravuras de Nicoletto da Modena, Zoan Andrwa de Mantua, Enea Vico, Agodstino Veneziano e outros, irá divulgar o grotesco por toda a Europa. Francisco de Holanda, quando easteve em Roma, chega a copiar uma das salas da Domus Aurea de Nero com seus grotescos. 

O Grotesco constituiu um género muito popular no século XVI. Segundo Benvenuto Cellini, o nome vem das extraordinárias decorações romanas das chamadas grutas do Monte Esquilino em Roma, restos subterrâneos da Casa de Ouro de Nero, posta a descoberto em 1480 e muito visitada desde então pelos artistas do Renascimento que iam a Roma, como Pinturicchio, Rafael, Giovanni da Udine, Filippino Lippi, Sodoma, Aspertini, Ferrari Gaudenzio, bem como o portuguêrs Francisco de Holanda, que em 1539 fez um desenho aguarelado das pintura de uma sala da Domus Aurea. No século XVI, o uso indiscriminado desta decoração era fonte de desprezo para teóricos como Giorgio Vasari, que os descreveu "ridículas pinturas licenciosas“, apesar do sucesso que atingem na 'escola'+ de Rafael- Na verdade, o grotesco, que se caracteriza pela negação do espaço, seres híbridos e monstruosos, temas libertinos, de figuras fantásticas, assume a imagem do all’antico. Depois da descoberta das decorações da casa de Nero (1480), sob o pretexto de imitatio antiquitatis, foram muito seguidos. Pintores famosos usam-nos, gravadores abrem estampas, como Nicoletto da Modena, Zoan Andrea de Mantua, Agostino Veneziano e Enea Vivo. No caso do famoso pintor de grotescos Giovanni da Udine, o género atinge máximo esplendor. Também Morto da Feltre, que ganhou o título de especialista, de acordo com Vasari, chegava a passar mais tempo abaixo da terra a copiar grotescos, dando vitalidade a este género de monstruosidades e do fantástico pagão. O papel de Nicole Dacos Crifó, o livro pioneiro La Découverte de la Domus Aurea  et la Formation des Grottesques à la Renaissance (1969) no estudo dos GROTTESCHE italianos e da sua repercussão fora de Itália.

Com a Contra-Reforma católica e o gradual fim do Maneirismo, o grotesco tende a desaparecer, limitado ao arabesco e à chinoiserie – menos em Portugal, ponde surge (e se prolonga até ao século XVIII) a moda do Brutesco Nacional. O grotesco passa então a significar algo estranho, assumindo a conotação de ridículo e caricatural… Em portugal, o grotesco tem sucesso na primeira metade do século XVI, mas com o Concílio de Trento é depurado do seu carácter licencioso, tornando-se um dos novos géneros da pintura de óleo, têmpera e azulejo usados nos séculos XVII e XVIII, o Brutesco Compacto. A arte de brutescar deve ser entendida como solução plástica sujeita a uma dimensão nacionalizada, imposta pelo contexto do isolamento vivido após a Restauração mas mantida, depois, com a força cenográfica da sua originalidade. O que pareceu atavismo é, afinal, afirmação de modernidade possível – existem conjuntos com decorações brutescas em arcos, paredes, tectos de espaços religiosos e civis que, independentemente da modalidade em que são executados (azulejo ou óleo), surpreendem pela sua largueza ornamental: falámos antes, entre muitos testemunhos possíveis, dos casos de Santa Maria de Óbidos, da Capela Real de Salvaterra de Magos, de São Mamede de Évora, das matrizes de Bucelas e da Ameixoeira, da Misericórdia de Viana do Castelo, de São Miguel de Alfama, sem esquecer exemplos nas ilhas atlânticas, em Angola (igreja do Carmo de Luanda) e no Brasil (matriz de Tiradentes, Minas Gerais). Como disse José Meco, se houve um mundo em que os portugueses souberam nacionalizar referenciais externos, vernacularizar as linguagens dos repertórios e transfornar a pintura, tanto a de azulejos como a de tectos em madeira e estuque, em harmoniosas valências unívocas, esse foi sem dúvida o mundo do Brutesco nacional da fase pedrino-joanina. O Brutesco tornou-se uma arte emblemática de decoração no Mundo Português. Entre os brutescadores pedrino-joaninos contam-se António de Oliveira Bernardes (o melhor pintor de óleo e azulejo nacional), Pedro Figueira (seu pai), Francisco Ferreira de Araújo (seu sogro), José Ferreira de Araújo (seu cunhado), Gabriel del Barco, Estêvão Amaro Pinheiro, Lourenço Nunes Varela, Jerónimo da Costa, António da Serra, Santos Marques e Pedro Peixoto (este, autor dos brutescos das igrejas da Conceição e Ajuda em Peniche).