Literatura artística: dos manuais técnicos da Idade Média aos tratados de arte do Renascimento.
24 Outubro 2019, 08:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
Os manuais práticos dos «oficiais mecânicos» da Idade Média, o livro de Cennino Cennini, os 'Mappae Clavicula', os receituários. A 'Lenda Dourada' de Tiago de Voragine. Os primeiros tratados do Renascimento e a defesa de um novo conceito de arte e de artista. O caso de Léon Battista Alberti e os primeiros tratados italianos em prol de uma 'utopia arquitectónica'. A existência de aspectos utópicos na Teoria da Arquitectura da Idade Moderna, que em meados do Séc. XV se começou a gizar com L. B. Alberti (1404-72), com Filarete (c. 1400-c. 1465), Leonardo da Vinci (1452-1519), e na
Hypnerotomachia Poliphili (ed. 1499) não é novidade: a utopia anuncia-se logo no
Prologo do
De re aedificatoria de Alberti ao ser outorgada à Arquitectura, assim como às
molte e svariate arti… dai nostri antenati indagate, a missão de
render felice la vita, além de que a Arquitectura, ou melhor, a
res aedificatoria, seria
quanto mai vantaggiosa alla comunità come al privato, particolarmente gradita all’uomo in genere e certamente tra le prime (isto é, entre as principais artes)
per importanza.Em Vitrúvio a missão da Arquitectura era contribuir para propiciar uma vida boa, com saúde e em segurança, como se explicita na história do recinto fortificado transferido por M. Hostílio de um ugar insalubre para outro saudável. A salubridade, nomeadamente a defesa em relação aos ventos e climas agressivos (na tradição hipocrática, o ar era visto como causa de todas as doenças), a par da segurança, que levava a recintar as cidades com muralhas, são dos principais e primeiros aspectos tratados no
De architectura, ocupando os caps. 4 a 6, do Livro I. Assim, quando Alberti proclama, nos alvores da Idade Moderna, como objectivo da Arquitectura, o tornar a vida feliz, opera-se uma deveras
significativa mudança: o que até aí era tido como visando singelamente melhorar as condições de vida, propiciando saúde e segurança, e fazendo-o com intencionalidade estética (a venustas, de Vitrúvio), passa a ter uma finalidade eudemonística: aos homens da Idade Moderna já não bastava a vida boa, saudável e em segurança, queriam uma vida feliz! E a Arquitectura, particularmente agradável ao homem em geral e das mais importantes das artes, deveria ter papel de protagonista nesse projecto eudemonístico, que já se anunciava no citado poema de Petrarca, onde parece anunciar-se, também, o expansionismo das almas belas e da virtude amigas, que tanto veio a caracterizar o Ocidente, e em que nós, portugueses, embarcaríamos a partir de 1415 com a expedição a Ceuta.
BIBL.Simões Ferreira, J. M.,
Visões de Utopia: As Teorias da Arquitectura e as Utopias Políticas nos alvores da Idade Moderna, Dissertação de Mestrado em Filosofia, FCSH / UNL, 2001.
Alberti, L. B.,
L’architettura (
De re aedificatoria, escrito entre 1443-52, impresso em 1485), ed. crítica, trad. di G. Orlandi, introd. e note di P. Portoghesi, Milano, 1989, Ed. Il Polifilo