Programa da Disciplina: um comentário sobre questões, problemas, métodos e objectivos.

16 Setembro 2019, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Metodologia de História da Arte

1.º ciclo / Licenciatura em História da Arte / ano lectivo de 2019-2020

Docente: Prof. Vitor Serrão

 

 

Sinopse: objectivos gerais

      O programa desta disciplina visa abrir as vias para a investigação histórico-artística e o estudo das obras de arte, desde a análise histórica, iconográfica, estética e iconológica dos estilos e movimentos estéticos que se sucederam no tempo histórico, à ênfase a exemplos da arte portuguesa, contribuindo para definir os conceitos e objectivos fundamentais da disciplina, ramo científico da Ciência das Humanidades.

     Fornecem-se ferramentas operativas de análise de investigação sobre a arte ao longo dos séculos, abrindo interesses para outras tarefas inerentes à prática do historiador de arte, desde a gestão integrada de bens patrimoniais à colaboração em equipas e laboratórios de conservação e restauro, à prática museológica, à inventariação de bens móveis, à curadoria de exposições, à segurança das obras, ao mercado de compra e venda, e à intervenção na área do turismo cultural. Dá-se enfoque a equipamentos descritivos com base em ‘thesaurus’ e ao papel da chamada Fortuna Crítica, bem como aos campos da Iconografia e da Iconologia, instrumentos operativos da ciência histórico-artística, tal como foram postos em prática desde Aby Warburg a Erwin Panofsky, a E. H. Gombrich, David Freedberg, George Didi-Huberman ou Daniel Arasse, às teses de Arthur C. Danto, à Sociologia da Arte, e à tradição recente de estudos iconológicos (Hans Belting), sem esquecer o conceito de aura defendido por Walter Benjamin.

     O poder das obras de arte foi, é e será sempre imenso: intervêm, agitam, espalham beleza, dão testemunho, trazem irreverência e, na sua profunda essência, uma marca trans-contextual. Por isso são, tantas vezes, alvo de actos de iconoclasma, justamente porque a sua dimensão afectiva é inefável e aurática: geram afecto, debate, contemplação, senão polémica, hoje como ontem, hoje como amanhã… Outra das características identitárias da obra de arte é a sua sempre renovada carga trans-memorial. Ao definirmos a História da Arte como uma mais-valia social há que lembrar que esta disciplina estuda não só as ferramentas metodológicas com que a evolução estilística e a análise das formas se percebem, como ajuda a valorizar e defender os patrimónios comuns, mas é, também, uma arma fundamental de diálogo plural, no quadro de uma verdadeira cultura de partilha. Poder e êxtase, liberdade e obscurantismo, tragédia e dor, atracção e repulsa, estão patentes nas obras de arte, desde sempre, em linguagens por vezes contraditórias mas sempre de forte ênfase testemunhal, com o não-escondido objectivo de tornar o mundo mais fraternal. Na medida em que os postulados de liberdade de criação e intervenção se devem considerar actuais e efectivamente práticos, a História da Arte dos nossos dias constitui um serviço público contra os obscurantismos e as exclusões, na medida em que ensina a olhar, a ver e a perceber o sentido das formas e a razão de ser das obras artísticas. Em suma: as obras de arte provocam, testemunham e inquietam: por isso se enfatiza o seu papel como contínuo lugar de trans-memórias em movimento contínuo (à luz do que nos ensina a Iconologia de Warburg). Temos, assim, um espaço de debate que se configura muito interessante e apelativo e que suscita salutares e nunca esgotadas controvérsias.

     A nossa disciplina estuda a génese da História da Arte em atenção à problemática da construção de um discurso científico face da reivindicação de autonomia da arte, e as metodologias de abordagem com abertura a cruzamentos interdisciplinares, consciencializando para as práticas da conservação e da salvaguarda, e os inerentes conhecimentos de museologia e de organização estruturada de uma pesquisa analítico-descritiva devidamente contextualizada. O programa enfatiza, assim, a urgência em formar profissionais aptos a assumir o estudo integrado da arte em perspectiva pluridisciplinar, numa visão alargada do fenómeno artístico com incidência no caso português e das artes do antigo império colonial.

 

 

Conteúdos programáticos

 

I. Introdução

1. A disciplina da História da Arte (autonomia, dimensão, utilidade) e o agente da disciplina (de connoisseur a historiador-crítico de arte)

2. As grandes correntes da disciplina

3. A relação da história da arte com outras áreas e saberes científicos

4. Os agentes da produção artística: artistas, encomendantes, mecenas, clientes.

 

II. As disciplinas da Arte (exemplos e estudos de caso)

1. Saber ver Arquitectura

2. Saber ver Escultura

3. Saber ver Pintura

4. Saber ver Artes Decorativas: Azulejo, Talha, Tapeçaria, Mobiliário

5. Saber ver outros géneros: Gravura; Fotografia; Design; Banda Desenhada

6. Breve evolução dos “estilos”, da pré-história à contemporaneidade.

 

III. Métodos de investigação na disciplina da História da Arte

1. A investigação heurística e a pesquisa de arquivo: as fontes (manuscritas e iconográficas), sua recensão, organização e tratamento

2. A pesquisa bibliográfica: elaboração de uma ficha de leitura de obra de arte e de um estado da questão

3. A observação analítica da obra de arte: a obra de arte como principal documento do historiador de arte

4. As grandes correntes da disciplina, do positivismo, ao formalismo, à Sociologia da Arte e à História da Arte total

5. A investigação heurística e a pesquisa de arquivo: as fontes, sua recensão, organização e tratamento. A Icononímia. A regesta documental e a bibliografia

6. A construção de um trabalho de investigação: plano, corpo de texto, notas, organização de anexos. Diálogos do historiador de arte com o seu objecto de pesquisa: organização da Fortuna Histórica, da Fortuna Crítica e da Fortuna Estética

7. A História da Arte como globalidade: a Micro-História da Arte, a Cripto-História da Arte e a História da Arte Total

8. A ficha analítico-descritiva da obra de arte particular.

 

IV. Fontes e géneros literários da História da Arte

1. Os tratados de arte (Vitrúvio, Leon Battista Alberti, Lorenzo Ghiberti, Andrea Palladio, Sebastiano Serlio)

2. As biografias de artistas (Giorgio Vasari, Giovan Pietro Bellori, Cirillo Volkmar Machado)

3. Os diários de artistas (Jacopo Pontormo)

4. Os “diálogos“ (Pomponio Gaurico, Francisco de Holanda)

5. As “parangonas” (Benedetto Varchi)

6. Os manuais técnicos (Teófilo, Cennino Cennini, Filipe Nunes).

 

V. A história da arte e a conservação / revalorização do património artístico

1. O inventário de património artístico

2. Conservação das obras de arte

3. A musealização das obras de arte

4. «Monumento» e «Património» como valor absoluto.

5. Conceitos de «memória», «recuperação», «conservação preventiva»

6. A Gestão Integrada de Bens Patrimoniais

7. A UNESCO e as grandes medidas de protecção dos bens culturais e artísticos.

 

Nota: Os conteúdos programáticos estão divididos em 4 blocos temáticos (além da Introdução). Cada bloco contempla sempre a abordagem dos objectivos de aprendizagem de forma integrada. Regista-se uma grande insistência na análise de casos de estudo que permitam atingir os referidos objectivos.