Trans-Contemporaneidade das Artes: modos de ver.

21 Novembro 2019, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Análise da obra de arte a partir de uma metodologia operativa atenta às especificidades 'cumulativas' das obras de arte. Caso de estudo: uma Natureza Morta holandesa (col. particular) de um famoso pintor do século XVII chamado Jacob van Es. A fortuna Crítica e o diálogo integral com as obras de arte.      

O estudo da narratividade em casos de estudo obras de arte (independentemente do estilo, época ou nível de qualidade) um sedutor exercício crítico, revelador de processos de construção, destinado a larga fortuna e com uma amplitude de processos que se multiplica. As obras de arte discursam de forma mais ou menos eloquente perante os públicos que se sucedem no tempo histórico. É certo que, muitos anos ou séculos depois da sua génese física, elas continuam a emocionar-nos, nunca perdem essa capacidade de criar emoções. Assim, e por isso, a História da Arte caminha no sentido do reencontro, e não no do anacronismo descontextualizado, pois as obras que vemos e estudamos são sempre, no nosso ponto de vista, contemporâneas – ou seja, transportam narrações dialectais percebíveis.

 As artes não cristalizaram com (e nas) suas histórias; pelo contrário, tornou-as convincentes, ou pelo menos justificadas na dimensão de situações precisas, à medida que novos olhares as miram e admiraram. A esse respeito falaram eloquentemente  pinturas, como as de Nuno Gonçalves, mostradas em aulas. Essa dimensão trans-contextual é, também, o testemunho maior de que todas as obras de arte são ao mesmo tempo trans-contemporâneas, na medida em que nunca deixaram de afectar os nossos sentidos independentemente do momento histórico em que interpelemos as suas histórias. Mas se a história-crítica da arte, na sua utilidade perene, fala de arte como obras em aberto (Umberto ECO, 1962), a verdade é que a disciplina que as estuda progrediu com dificuldade no seio de um mundo globalizado. Como afirmámos já, a História da Arte «alargou a sua capacidade de análise crítica, sem dúvida, recentrou atenções regionais, disponibilizou apoios das tutelas, redefiniu o objecto de estudo com enfoque micro-artístico, amadureceu a sua visão patrimonialista sem peias auto-menorizadoras e reforçou esse seu entendimento (que só ela pode ter…) do discurso da arte como fenómeno que é, em todas as circunstâncias, inesgotável e trans-contemporâneo. Não obstante, a sobrevivência cíclica das dimensões simbólicas de representação, intuída pelo iconólogo Aby Warburg ao criar, no início do século passado, o conceito de Nachleben (memória inconsciente das formas transmigradas) (WARBURG, 1999), permite apurar, a essa luz, as valências que possam espreitar, ocultas, entre fímbrias de estruturas devastadas e ruínas mais ou menos irremediáveis do tempo, sob o manto de um espesso mistério e de uma dignidade que se vai desfazendo em cinzas».

A verdade é que as obras de arte ora se assumem numa via entre a busca de originalidade e novas formas de expressão, ou na via de uma retoma mais ou menos consciente (ora consequente, ora conformada) de ‘temas’, ‘soluções’, ‘códigos formais’ e ‘sujeitos de narração’ que já foram em algum momento sugeridos, ou que já estão pré-estabelecidos. Os pintores portugueses da Idade Moderna que atrás se citaram assumiram, a seu modo e dentro dos seus próprios estilos, esse caminho, marcado por narrações expressivas de devoção, alegoria ou testemunho (BAPTISTA PEREIRA, 2002), e que se mantiveram desde sempre abertas à sedução dos seus fruidores – ontem, hoje, amanhã. Trata-se, assim, de uma arte contínua, inesgotável, inefável, que se manifestou e manifesta sempre aberta a novas indagações, fascínios e descobertas.