Definições de 'arte', depois de Duchamp.
29 Setembro 2016, 10:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
A Arte é a actividade humana ligada a manifestações de ordem estética, feita por artistas a partir da percepção, das emoções e das ideias, com o objectivo de dar estímulo a um interesse, a um acto de consciência ou grau de intervenção junto de um ou mais espectadores. Cada obra de arte possui um significado distinto: única, irrepetível, inesgotável, transcontextual, com carga de fascínios e perenidade, com comprometimento ideológico, dotada de vida perecível e, ao mesmo tempo, com poder imenso de renovada interrogação do mundo. Com o Romantismo, a Fenomenologia, o Positivismo, o Marxismo, a Psicologia da Arte, a Sociologia da Arte, e outras correntes, surgiram distintas interpretações de "arte". A dificuldade de definir o conceito está na directa relação de dependência com a conjuntura histórico-social e cultural que o faz surgir, já que quando um estilo é criado, tende a quebrar os sistemas e códigos estabelecidos.
Arte é um termo que vem do latim, e significa técnica/habilidade. A definição de arte varia de acordo com a época e a cultura, por ser tanto arte rupestre, como artesanato, arte da ciência, da religião e da tecnologia. Actualmente, o conceito é usado para definir uma actividade artística e o seu produto. A arte é uma criação humana com valores estéticos, como sejam a beleza, equilíbrio, harmonia, intenção crítica, que representam um conjunto de procedimentos utilizados para realizar obras. Para Theodor Adorno e os marxistas da escola de Frankfurt, arte é o incognoscível, aquilo que é não discernível. Para os povos primitivos, a arte, a religião e a ciência andavam juntas na figura, e originalmente a arte poderia ser entendida como o produto ou processo em que o conhecimento é usado para realizar determinados objectivos: magia, superstição, ritualidade, poder de intervenção e busca da espiritualidade. A arte é um reflexo do ser humano e representa sempre a sua condição social e essência de ser pensante.
A arte está ligada à estética porque é considerada uma faculdade ou acto pelo qual o homem, trabalhando uma matéria, imagem ou som, cria beleza ao esforçar-se por dar expressão ao mundo material ou imaterial que o inspira. Na História e na Filosofia tentou definir-se a arte como intuição, expressão, projecção, sublimação, evasão, etc. Aristóteles definiu a arte como uma imitação da realidade. Bergson e Proust vêem-na como exacerbação da condição atípica inerente à realidade. Kant considera a arte uma manifestação que produz uma "satisfação desinteressada".A Filosofia de Theodor Adorno (1901-1969), considerada uma das mais complexas do século XX, fundamenta-se na perspectiva da Dialéctica marxista e define arte como o discurso do inexprimível. Uma das suas mais importantes obras, a Dialéctica do Esclarecimento, escrita em colaboração com Max Horkheimer durante a Segunda Grande Guerra, é uma crítica da razão instrumental, conceito fundamental deste último filósofo (ou uma crítica, fundada em uma interpretação negativa do Iluminismo, de uma civilização técnica e da lógica cultural do sistema capitalista, que Adorno chama de «indústria cultural»). Também é uma crítica à sociedade de mercado que não persegue outro fim que não o do progresso técnico. A actual civilização técnica, surgida do espírito do Iluminismo e do seu conceito de razão, não representa mais que um domínio racional sobre a natureza, que implica, ao mesmo tempo, um domínio (irracional) sobre o homem; os diferentes fenómenos de barbárie moderna (fascismo e nazismo) não seriam outra coisa que as piores manifestações desta atitude autoritária de domínio sobre o outro, e neste caso Adorno recorrerá a outro filósofo alemão, Nietzche.
Em 1914, quando eclode a Primeira Guerra Mundial, houve perturbações nos conceitos artísticos, em torno do conceito de “modernismo”. Desestabilizando os valores estabelecidos, surge o Dadaísmo, a partir de uma reunião em Zurique. Os artistas e intelectuais contrários à adesão de seus países à guerra exilam-se em Zurique. Num encontro no Cabaré Voltaire fundam o movimento dadaísta. O nome foi dado por Tristan Tzara, poeta húngaro que o escolheu ao acaso, apontado para um dicionário. A palavra “dada”, cavalo de pau em francês, torna-se marco do movimento (a falta de relação directa do termo com este foi considerado algo sem importância, já que para os fundadores a arte não fazia mais sentido, pois todo o pensamento racional se tinha perdido com a guerra). O dadaísmo sugeria a criação artística como algo ao acaso, esforço para que a arte se libertasse do pensamento lógico, racional. Tinham aversão aos valores tradicionais, que tinham sido supervalorizados e haviam desencadeado a guerra. Utilizaram-se de sátiras e críticas para demonstrar o descontentamento com tais processos. Marcel Duchamp foi um dos artistas do movimento dadá. Ao tentar expor em galeria uma sanita virada a que chamou “fonte”, abriu um fecundo debate: a sua “obra de arte” foi tratada como simples mictório, mas a mensagem passou, pois impôs a revisão de alguns conceitos. Afinal, um urinol não poderia ser arte? O acto de o virar e titular como «fonte» não podia ser tratado como acto artístico? Duchamp colocou na peça outro nome como autor da mesma (R. Mutt,), para mostrar que o facto do artista ser desconhecido também influencia na opinião das pessoas. Antes de criar a “fonte” em 1917, já havia criado a “roda da bicicleta” e o “porta-garrafas”, que fazem parte do conceito por si criado de READY-MADE. Tal conceito traduz a ideia de transformar objectos comuns em obras de arte. Duchamp selecionava objetos quotidianos, produzidos em massa, sem valor estético aparente, e expunha-os em galerias e museus, tratando-os como obras de arte. Assim, Duchamp fez com que o público repensasse os conceitos de arte. Expondo objectos comuns como obras de arte, ele faz, portanto, uma dura crítica aos “códigos” tradicionais da arte e abre um campo duradoiro de debate e reflexão teórica.
Expõem-se, enfim, alguns comentários e observações a textos de Berys Gaut, Morris Weitz, George Dickey, Gary Iseminger, Arthur Danto e Umberto Eco, sobre os 'ready-made' e a noção de 'arte'. A definição de Gombrich.