Sentidos da Linguagem da Arte, na senda de um método.

8 Dezembro 2016, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

SENTIDOS DA NOSSA LINGUAGEM ARTE.

 

     A arte existe porque a vida não basta, escreveu o poeta Ferreira Gullar. Por certo: a arte preenche esse vazio entre o desejo da inscrição e a ânsia de testemunho. A arte supera as teias da sua própria utilidade efémera, que é fruto de uma encomenda específica, para ousar atingir níveis trans-contextuais de comunicação. A vida não basta: a poesia, a pintura, a escrita, a rebeldia criadora são precisas. Assim a arte existe. E pode fazer milagres: gerar afectos, redimensionar espaços, trazer eficácia com os seus discursos, dizer-nos que existirão sempre níveis de insondável, e que é plausível criar beleza, aurática e perene. Nesse sentido, como disse Ernesto de Sousa, «toda a arte é sacra». E, como escreveu Gullar, «do sujo se faz obra limpa».

     Tomo como exemplos assertivos da afirmação do poeta brasileiro recém-falecido uma série de imagens que de há muito povoam o meu imaginário e desafiam a minha sensibilidade.

     Começo com Uma Floresta para os teus sonhos do escultor Alberto Carneiro, porque essa instalação construída com troncos de pinho tratado (1979, Col. CAM), nos diz absolutamente tudo, ao propor um discurso nunca interrompido entre o provocatório, o lírico, o espiritual e o ecológico.

     Mas a mesma densidade pode surgir num ex-voto do século XIX (igreja de Nossa Senhora da Graça do Divor, concelho de Évora), onde os meios mais rudimentares se aliam e se agigantam para construir um intenso discurso devocional e afectivo.

     Ou num petróglifo antropomórfico pré-histórico da arte do Vale do Tejo (complexo rupestre do Cachão do Algarve), com os seus contornos de magia e confronto-diálogo com a natureza.

     Ou na intervenção tão poética de Eduardo Nery na fachada metálica da Fábrica Central de Cervejas em Vialonga (1968), onde a leitura plástica e o efeito cromático mudam ao sabor da luz solar gerando entendimentos estruturantes.

     Poderíamos seguir com a maqueta do escultor Jorge Vieira para o proibidíssimo Monumento do Prisioneiro Político Desconhecido (1953), projecto tão moderno quanto incómodo e, por isso, reprimido e só tardiamente viabilizado (em 1994 é finalmente instalado num espaço público de Beja).

     Ou recorrer a uma boa pintura maneirista de Diogo Teixeira (c. 1590) na igreja da Luz de Carnide, linguagem dos falares da fé e da legibilidade dos signos da crença.

     Enfim, encontramos idêntica ousadia 'sui generis' nos espaços 'forrados a talha, a ouro e azulejo' que singularizam o Barroco português numa imprecisa ambiguidade entre o sagrado e o profano (caso de Santo António de Lagos, por exemplo, na 1ª metade do século XVIII).

     Sim, a arte existe porque a vida não basta.