A teoria de Gian Pietro Bellori e o conceito de BEL COMPOSTO.

14 Dezembro 2017, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Actualidade dos conceitos teóricos de Gian Pietro Bellori (1613-1696) sobre a beleza e a arte. Ut Pictura Poesis: a ‘idea del Bello’ no Barroco seiscentista romano: o tratado de Bellori e o elogio do Classicismo. Este autor foi a mais alta autoridade da cultura artística do seu tempo. Assim o consideraram escritores, artistas, mecenas e intelectuais em toda a Europa do século XVII. Foi o primeiro autor, depois de Vasari, a determinar o carácter da literatura nas artes e a explorar o estudo da simbologia artística. Com base neoplatónica, Bellori contribuíu para a chamada ‘fortuna histórica’ e para o conhecimento da História antiga, através da arqueologia e da numismática, antecipando novas metodologias de escavação e de pesquisa de campo. Mas o que impressiona é que escreve com uma visão europeia, uma perspectiva de conjunto, como um crítico atento que compara, selecciona e sintetiza. Definiu o conceito de BEL COMPOSTO como princípio de globalidade: a obra de arte total. As biografias que introduz nas Vite de' Pittori, Scultori ed Architetti moderni (1672) são doze, e o critério de escolha foi o da fidelidade ao Classicismo, à tradição do Clássico – para ele o protótipo da arte qualificada. Procurou também servir o público e os visitantes, propondo percursos, sem deixar de inventariar recheios de palácios e galerias, de descrever decorações de jardins, etc. Giovan Pietro Bellori foi o grande divulgador das grandezas de Roma. Bellori manteve contactos com França e Inglaterra, serviu a raínha Cristina da Suécia, colaborou com Charles Errand, directorr da Academia de França em Roma, encasrregado de Luís XIV para o affaire da Colonna Trajana (cujas gravuras seriam editadas com anotações de Bellori), e conviveu muito com o pintor Carlo Maratti,  tendo acompanhado o restauro dos frescos de Rafael Sanzio nas Câmaras Vaticanas, a respeito das quais escreveu, bem como sobre a Loggia Farnesina. Como Superintendente das Antiguidades Pontifícias desde 1670, Bellori trabalhou com Pietro Santi Bartoli na reconstrução e restauro de sítios arqueológicos a fim de preservar a sua memória e documentar os seus. Também tem importante papel nos estudos de Arqueologia, Numismática e História da Arte moderna, com o livro Vite de'pittori, scultori, architetti moderni. Nas pinturas que elogia apresenta-se como um 'semplice traduttore’, mas além de interpretar as obras e descrever os seus elementos também se deleita no estudo dos seus ‘sentidos’, p. ex. no caso da 'allegoria’. A sua ‘retórica do silêncio’ não é uma mera postura de espectador neutro, mas sim o desejo de emular a superioridade das artes através da ELOQUÊNCIA. Compara a Poesia com a Pintura, reune parangonas com Nicolas Poussin, e desenvolve um discurso que (ao contrário do tratadismo francês do tempo) tenta analisar os princípios das Obras-Primas e os fundamentos da Pintura à luz da Natureza e da tradição clássica.Abade da Igreja, presidente da Academia de Roma, foi Antiquário do Vaticano e bibliotecário da raínha Cristina de Suecia. Publicou as “Descripción de las estancias de Rafael en el Vaticano”. Bellori seguiu a arte da pintura sem sucesso e preferiu dedicar-se à literatura,, sendo amigo de pintores como Poussin e de escultores como Duquesnoy. A obra fundamental é as VITE, de 1672, onde rtomou o exemplo de doze artistas cuja biografia apresenta, à luz das suas maneiras distintas de fazer arte: defende que no início do XVII há duas tendências opostas, o NATURALISMO dos seguidores de Caravaggio e o TARSDOMANEIRISMO do Cavaleiro de Arpino. Critica a esse naturalismo o predomínio da cor, com que só chega às camadas popularers e iletradas. Defende um CONCEITO INTELECTUAL da arte, que define como COSA MENTALE, com tónica no estudo e imitação da natureza. A solução é a que os Carracci ofereceram no início do século XVII: a via do classicismo, assente no desenho e no estudo do Antigo. Por isso elogia tanto Annibale Carracci de Bolonha, Domenichino, Pietro da Cortona, Guido Reni, Lanfranco, Sacchi, os franceses Nicolas Poussin e Valentin de Boulogne, e os que seguem Rafael, e menos, embora admirados, nomes  nórdicos como Van Dick e Rubens.Emulou a natureza à luz da estética grega. Assumiu uma sólida defesa da “idea da pintura, escultura e arquitectura” e analisou com grande dose de rigor a situação das artes na Itália do seu tempo.

Bom testemunho do pensamento de Giovan Pietro Bellori é a conferência feita na Accademia di San Luca de Roma em 1664; aí, o escritor enunciou a sua própria teoria Isegundo a qual é preciso retornar-se à NATUREZA como fonte primeira de inspiração dos artistas, no que constitui uma clara oposição às teorias artísticas do Maneirismo, que defendia uma recriação mental e ideal da natureza. Ferozmente anti-maneirista, prefere o classicismo de Rafael à ‘maniera’ de Miguel Ângelo. Assim, defende a prevalência dos cànones da estatuária greco-romana e as linhas apolíneras da  VENUSTÁ rafaelesca, como coordenadas de qualidade em torno das quais de organiza a sua "idea del bello". Retoma as teses neoplatónicas do Renascimento em defesda da Alegoria e da Mitologia, segundo os cânones da verosimilhança. No caso de representações de cenas ambientadas em realidades históricas – como em cenas de santos e martírios, etc – defende uma ‘visione idealizzante e intellettuale del mondo sensibile’. Nesta viagem metafórica pela descoberta de Roma, Bellori destaca o papel de Annibale Carracci, a Morte dos Inocentes de Guido Reni (de 1611), a  Caça de Diana (gal. Borghese) do Domenichino e artistas estrangeiros como Poussin e Dusquesnoy. Durante esta viagem encontram-se também obras de pintores de gosto não classicista -- Caravaggio, Rubens, van Dyck – que Bellori destaca em atenção ao seu destacado papel inovador. 

A viagem por Roma proposta por Bellori mostra-nos o Hércules de Annibale Carracci (Museo nazionale di Capodimonte), elogio do naturalismo convertido à impressão all’antico romana,  com a presença da estatuária e das ruínas, e a presença da virtù que indica a via, as transparências das vestes no Vício e os tecidos vermelhos e celestes da Virtude. O itinerário prossegue com Caravaggio e os caravagescos, e a lição do claro-escuro quase cinematográfico é exaltada, pela descoberta da realidade: "Molti furono quelli che imitarono la sua maniera nel colorire dal naturale, chiamati perciò naturalisti..." Cita a propósito Ribera, Bartolomeo Manfredi (Jesus e os mercadores do Templo), Valentin de Boulogne, Gherardo delle Notti, etc. Mas Bellori prefere o classicismo amaneirado e altamente simbólico de Domenichino. A caça de Diana (Roma, Galleria Borghese) inspira-se num confronto"intelectual" com as fontes antigas, como a ‘Eneida’ de Virgílio. O S. Silvestre e o dragão de Giovanni Lanfranco (Caprarola, Santa Maria degli Zoccolanti), é uma composição escalonada, menos clássica, com retomas rafaelescas e cores ‘pontormescas’, ao contrário do que era usual no ‘lirismo’ desse pintor. Destaca a Madalena levada ao céu por anjos (Napoli, Museo Nazionale di Capodimonte).

Portugal vivia então a era pedrina – os anos de regência e reinado de D. Pedro II (1678-1705) – são tempo de estabilidade após a longa crise aberta com os anos das guerras da Restauração e existem ressonâncias do pensamento de Bellori na renovação das artes que então se desenha. A cultura artística internacionaliza-se: em 1689, o monarca promove um acórdão em favor da liberalidade das artes e dos seus praticantes. A figura de João Antunes (1643-1712) desponta nesse contexto, com o projecto (1681) para aquela que será a primeira igreja barroca em espaço nacional: a Igreja de Santa Engrácia (depois Panteão Nacional).O final do século XVII acompanha, com D. Pedro II, a viragem artística no sentido da adequação ao Barroco romano, ainda que persistam tendências vernáculas. É então que Félix da Costa Meesen (1642-1712), tão crítico do que chama o «mingoante das artes» nacionais, escreve ANTIGUIDADE DA ARTE DA PINTURA (1696), eco das ideias da Academia de Charles le Brun em Paris e do crítico Giovan Pietro Bellori, esteta da arte clássica e do bel composto. Porém, a internacionalização que se desejava faliu, com a nossa arte presa às tradições do tenebrismo e da decoração (brutesco, azulejo de padrão e talha dourada, ainda que o empenho dos mecenas e coleccionistas abra novos caminhos. Todavia, nomes como João Antunes na arquitectura, José Rodrigues Ramalho na obra de talha, António de Oliveira  Bernardes e António Pereira Ravasco na pintura de tectos e no azulejo, Claude de Laprade na escultura, vão redimensionar essa viragem da tradição seiscentista e marcar, na passagem para o século XVIII,  as  novas tendências ‘modernas’ da arte portuguesa.