REstatuto social do artista, de artesão mesteral (artista mecânico) a ser autónomo, livre, independente: a noção de artista.
9 Outubro 2017, 10:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
Felicitá e Utopia na Cultura Artística Portuguesa dos Séculos XV e XVI. A cultura artística do 'largo tempo do Renascimento' explorou, à luz dos contributos e debates no seio do Humanismo, o conceito de Felicità Pubblica (parangonizada com a Felicità Eterna), dando corpo à ideia de que a arquitectura, a pintura, a escultura e demais obras de arte, quando usadas segundo os princípios clássicos recomendados pelos bons mecenas, contribuíam para o bem público e para uma vivência mais harmoniosa de todos os homens. Assim, seguindo os preceitos vitruvianos, já Léon Battista Alberti (no De Re Aedificatoria) assumiraa que a produção arquitectónica trazia vida estável para as comunidades e uma espécie de felicidade geral, algo que os artistas e encomendantes portugueses do século XVI não deixaram, também, de acentuar (no caso português de escritores como Francisco de Holanda, de pintores como Gregório Lopes e Diogo Teixeira, de arquitectos como Miguel de Arruda). A consciência desse princípio está presente, não só quando os artistas reivindicaram um estatuto social de liberalità, como quando geram obras onde a dimensão utópica e a busca do sentido da utilitas são expressas com maior ou menor clareza.
•Artes liberais é o termo que define as metodologias de organizadas durante a Idade Média, a partir de um conceito estruturado na Antiguidade clássica (greco-romana). Referem-se aos ofícios, disciplinas e profissões («artes») mecânicas ou liberais, desempenhadas por homens livres. •São compostas pelo TRIVIUM (Lógica, Gramática, retórica) e pelo QUADRIVIUM (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Tal conceito opunha-se ao das Artes Mechanicae (artes mecânicas), que eram consideradas próprias de servos e escravos.•A personificação das Sete Artes Liberais (Trivium et Quadrivium) foi um tema iconográgfico muito comum nas artes medieval e modrerna, ainda que por razões diferentes.
Chamamos a este debate o polémico ensaio de Claude-Gilbert Dubois Le Bel aujourd’hui de la Renaissance (2001), que nos revela que, bem no coração dos nossos dias, persistem de algumas mal pressentidas atitudes epi-renascentistas, nos sinais de representação mimética, na valorização de uma estética de Belo clássica, da natureza e da memória patrimonial, na perduração da consciência da liberalitá dos artistas, e no sentido da última e grande utopia da individualidade partilhada e do ecumenismo fraternal -- valores sob cuja óptica vivemos, criamos e avaliamos as coisas segundo graus de consciência mais ou menos diluídos..