The frozen waste theory e a reacção democrática: o (im)possível lugar ideológico do populus Romanus.
12 Março 2020, 14:00 • Rodrigo Furtado
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I. Uma aristocracia electiva?
1. Supplicare populo Romano: discussão do significado.
2. O senado como o conselho da aristocracia política em Roma;
3. A escolha dos senadores (lectio senatus): a eleição para questor e o papel dos censores.
4. Uma aristocracia que se deve legitimar através de eleições, geração após geração.
O Commentariolum petitionis (Breve manual de campanha eleitoral) mostra a centralidade que as eleições tinham em Roma. O candidato suplicava o voto ao povo Romano (supplicare populo Romano). Porquê? Em parte tem a ver com a centralidade do senado como um conselho de ex-magistrados. Todos os que tinham desempenhado alguma magistratura do cursus honorum tinham lá assento (em regra).
O Senado em si não era electivo (não havia eleições para o senado). Para se ser senador era preciso:
a) Ter um rendimento mínimo (não havia pagamento de ordenados): 400 mil sestércios/ano;
b) Ter ganho a eleição para questor (há excepções, que não interessam para já), iniciando assim o cursus honorum;
c) Até ao ano 80 a.C. (ditadura de Sula): ser avaliado “positivamente” pelos censores, como “digno” de estar no senado.
Sem isto, não se podia estar no senado (em princípio). Isto significa que, teoricamente, o lugar de senador não é hereditário; um senador não deixava o seu lugar aos filhos, quando morria. A regra geral exigia que o senador tivesse ganho a eleição que dava início ao cursus honorum.
Sendo assim, pode dizer-se que a “aristocracia senatorial romana era electiva”? Como?
II. As teorias sobre a sociedade e a política romanas durante a República:
PRIMEIRA:
A frozen waste theory: tese mais tradicional e mais antiga.
1. Textos fundamentais:
a. M. Gelzer (1915), Die Nobilität der römischen Republik, Berlin, 1912 [trad. ingl. (1969), Roman nobility, Oxford].
b. F. Münzer (1920), Römische Adelsparteien und Adelsfamilien, Stuttgart (trad. ingl. Roman Aristocratic Parties and Families, Baltimore and London, 1999rev.).
c. N. Rouland (1979), Pouvoir politique et dépendance personelle dans l’antiquité romaine, Bruxelles.
d. L. Burckhardt (1990), ‘The political elite of the Roman Republic: comments on recent discussion on the concepts of Nobilitas and Homo Nouus’, Historia 39, 80-84.
2. Teses:
- Há uma pequena oligarquia muito fechada e endogâmica que controla a cidade (cf. árvore genealógica dos Cipiões-Paulos: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:GeneSPC.png);
b. As eleições e votações são determinadas pelas relações de clientela;
i. Patronus e cliens: laços muito fortes entre patrono e cliente que se obrigam mutuamente a deveres e direitos. E.g. o patrono protege o seu cliente em caso de doença (não há segurança social); o cliente, se for padeiro, por exemplo, fornece pão ao patrono; etc...
ii. O cliente vota em regra no que o patrono determina: sistema de caciquismo muito forte.
c. Por isso, para esta tese o processo eleitoral e votações meramente formal: comportamento eleitoral determinado por pré-conceitos sociais.
d. A generosidade aristocrática: o do ut des (“eu dou para que tu me dês”) aristocrático.
e. Os critérios das escolhas eleitorais.
i. Nascimento;
ii. Currículo político e militar;
‘A maior parte dos Romanos concorda que este homem, Lúcio Cipião, foi o melhor de entre os homens bons. Filho de Barbato, aqui foi cônsul, censor, edil [?]. Ele tomou a Córsega e a cidade de Aléria. Ofereceu às Tempestades um templo merecido’ (CIL 12.8–9).
iii. Mos maiorum (=tradição).
‘Conseguiu as dez coisas maiores e melhores que os homens sábios passam a vida a procurar: quis ser um o primeiro dos guerreiros, o melhor orador, o general mais forte, administrar os mais elevados assuntos com a sua autoridade, gozar da máxima honra, ter a máxima sabedoria, ser tido como o mais importante senador, conseguir grande riqueza de forma honesta, deixar muitos filhos e ser o mais ilustre homem na cidade’ (elogio fúnebre de Lúcio Cecílio Metelo, cos. 251, 247 apud Plin. nat. 7. 62).
SEGUNDA
A reacção democrática.
1. Textos fundamentais:
a. L. Perelli (1982), II movimento populare nell'ultimo secolo della repubblica, Turin.
b. K. Hopkins, - G. Burton (1983), Death and Renewal. Sociological studies in Roman history, Cambridge.
c. F. Millar (1984), ‘The political character of the classical Roman Republic’, JRS 74, 1 -19;
d. R. Develin (1985), The practice of politics at Rome, Bruxelles.
e. P. A. Brunt (1988), The fall of the Roman Republic, Oxford.
2. Teses:
a. Oligarquia muito mais pequena do que se pensava e aberta à entrada de novas gentes/familiae no sistema;
b. Relações clientelares: menos fechadas e previsíveis, mais negociadas; os clientes mudam frequentemente de patrono, de acordo com as vantagens que podem obter
c. Carácter imprevisível das votações, de acordo com o que as fontes mostram.
3. Os dados sociológicos [cf. Hopkins-Burton (1983)]. INTERPRETAR
Quadro 1 |
232-183 a.C. |
182-133 a.C. |
132-83 a.C. |
82-33 a.C. |
Gentes patrícias com cônsules entre os seus membros |
13 |
11 |
10 |
7 |
Nº total de cônsules patrícios |
47 |
34 |
22 |
20 |
Gentes plebeias com cônsules entre os seus membros |
25 |
28 |
40 |
39 |
Nº total de cônsules plebeus |
43 |
53 |
67 |
65 |
Gentes patrícias ou plebeias com apenas um cônsul eleito durante o período |
17 |
17 |
30 |
24 |
Quadro 2 |
Cônsules de (datas a.C.) que tiveram antepassados ou descendentes consulares (%): |
||||||
|
249-220 |
219-195 |
194-170 |
169-140 |
139-110 |
109-80 |
79-50 |
Avô e Pai tb foram cônsules |
8 |
22 |
20 |
24 |
23 |
25 |
17 |
Apenas Pai foi cônsul |
30 |
16 |
10 |
18 |
33 |
16 |
17 |
Apenas Avô foi cônsul |
8 |
8 |
16 |
11 |
5 |
12 |
16 |
Apenas Bisavô foi cônsul |
2 |
5 |
0 |
4 |
2 |
8 |
16 |
Quadro 3 |
|
||||
249-220 a.C. |
219-195 a.C. |
194-140 a.C. |
139-80 a.C. |
79-50 a.C. |
|
% de cônsules/pretores que tiveram filhos com sucesso político |
53% |
62% |
48% |
43% |
34% |
% de cônsules/pretores provenientes de famílias que já tinham tido antepassados cônsules ou pretores |
64% |
86% |
59% |
52% |
36% |
% de cônsules/pretores que eram homines noui (homens novos) |
36% |
14% |
41% |
48% |
64% |
4. Conclusões.
1. No final da República cerca de 2/3 a 4/5 da elite consular não era estável (a percentagem de cônsules cujos pai e avô tb foram cônsules nunca ultrapassou os 25%);
2. Contudo: confirma-se existência de uma elite senatorial hereditária (=nobiles) (ver quadro 3), como a tese tradicional defendia, embora muito mais pequena percentualmente;
PROBLEMAS PARA PENSAREM:
3. Por que razão se perdia estatuto social? Qual é o elemento de controlo? Apoio do populus?
4. Era o processo de aceitação ou de rejeição determinado apenas ou sobretudo pelas eleições ou pelo apoio do populus?
5. O apoio dos nobiles a um dado candidato era determinante ou não no processo eleitoral?
Rodrigo Furtado
Bibliografia Sumária
LEITURA FUNDAMENTAL
Tatum, W. Jeffrey (2009), ‘Roman democracy?’, A companion to Greek and Roman political thought, Malden, MA, Oxford, Victoria, 214-227.