Breve pensamento sobre Sagrado e Natureza entre os Bijagós

20 Novembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

NOVEMBRO                                   4ª FEIRA                                          18ª Aula

 

20

 

 

Considerámos como ponto de partida para a aula de hoje a leitura e comentário de alguns parágrafos da obra de Clara Saraiva, Os Sítios Sagrados no Arquipélago dos Bijagós já antes recomendada e de acesso indicado.

A primeira paragem ocorreu (p. 10, 3º §) quando se colocou a questão do que seria «um universo cognitivo» no caso da cultura dos Bijagós.

A relação que se estabelece no processo de aquisição de conhecimento e que envolve diversas etapas, alternadas entre si, como a percepção, capacidade de atenção, o estabelecimento de processos associativos, o uso da memória, a exercitação de raciocínio, o estabelecimento de juízos de valor, o treino da imaginação, a construção de pensamento e o uso de linguagem correspondem grosso modo a acções e desenvolvimentos comuns a todos os seres humanos.

No caso dos Bijagós e de outros povos o que se torna determinante é o indissociável vínculo entre religião e natureza que percorre de forma directa e multissecular as relações entre as pessoas, orienta comportamentos sociais e determina, na medida do possível, a preservação do espaço habitado e não habitado (lugares de culto) como fundamento da ligação entre a mundividência do sobrenatural e a vida das populações.

As práticas religiosas dos Bijagós têm lugar desde sempre no quadro do animismo, se bem que na actualidade e desde o séc. XX, existam localmente outras confissões de fé muçulmana, evangélica e naturalmente já antes católica. A sobreposição de diferentes religiões na mesma tabanca (aldeia) não inviabiliza o convívio entre os autóctones, tendo como base o respeito e o direito de liberdade confessional. Este factor é determinante para as relações de equilíbrio social a partir de práticas confessionais. No entanto, é claro que o envolvimento local de diferentes confissões tem por objectivo agregar às mesmas novos fiéis num gesto de evangelização que a todas é comum. Como contrapartida surge para a população a promessa e em muitos casos de realização de melhoramentos estruturais como sejam escolas e centros de saúde, para além do apoio espiritual.

Independentemente da presença cada vez mais assídua de novas confissões religiosas, a religião animista prossegue enraizada nas populações, em algumas ilhas mais do que em outras. Canhabaque, por exemplo, é a ilha mais tradicional, se bem que outras pela distância a que se encontram da capital Bissau, mantenham ainda comportamentos e práticas associadas à religião e à natureza bastante singulares. Exemplo: ilha de Orango, Poilão, João Vieira.

De acordo com o estudo de Clara Saraiva (p. 11, 4º §) tomamos consciência de uma realidade que em muito se afasta das nossas experiências e vivências quotidianas e sobretudo da relação com o sagrado. Entre os Bijagós o sagrado habita de facto por todo o lado como processo de integração do natural. Tudo tem marca do divino e o ser humano é parte integrante dessa constelação no respeito pela Natureza sagrada a que dedica muitos dos seus rituais. Como refere a investigadora portuguesa: «ilhas, areais e praias, mato, florestas, árvores, rios, mar» são lugares de habitação de deuses com os quais o ser humano interage desde sempre. A esta configuração cosmológica que decorre de uma relação total e equilibrada com o Universo e que estabelece a sua organização, juntam-se pequenos lugares (balobas) de celebração construídos pelos Bijagós como reforço da sua religiosidade.

Ver a este propósito §s 5º e 6º do estudo em análise.

Já na p. 11, 4º, 5º e 6º §s do referido estudo tomámos conhecimento de uma muito breve História dos Bijagós em que cinco séculos (sécs. XV a XX) são expostos apenas a partir de lutas tribais e étnicas com outros povos que são hoje, tal como os Bijagós, parte integrante da República da Guiné-Bissau. Certamente que a designação de «guerreiros e belicosos» em relação a esta etnia confere no quadro de sobrevivência e correspondente posse de solo no Arquipélago. No séc. XXI esses argumentos colocam-se de outra maneira e de um modo bem mais pacífico do que no passado. A posse da terra está hoje relacionada com a actividade do negócio (turismo, monoculturas (caju) e rápida e indiscriminada modernização de espaços que continuam a manter com o divino (quem com isso se importa?) uma relação ancestral e contemporânea.

Discutimos já no final da aula a presença da colonização portuguesa que, no caso dos Bijagós exerceu poder distinto daquele que levou milhões de pessoas escravizadas para o continente americano. A subalternização do povo Bijagó foi, de forma restrita, um exercício de poder sobre a sua etnia, se bem que os valores e princípios defendidos por este povo tenham conseguido sobreviver ao domínio português. É disso prova o que eles ainda são hoje, ainda que em modo de recolonização gradual pelo fascínio exercido pela mundialização exercida pelo Ocidente.

 

Leituras recomendadas

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Pesquisa orientada a partir de índice de conceitos no final da obra. O conceito em estudo é homeostasia. A referência no volume em papel é a p. 374.

SARAIVA, Clara 2015. Os Sítios Sagrados no Arquipélago dos Bijagós, Lisboa: Instituto Marquês de Valle Flor.

http://www.imvf.org/wp-content/uploads/2018/02/estudositiossagradosfinal.pdf

 

Pequeno vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=P9EN8_jvOfI