Do alimento, da hierarquização, da sociabilidade entre os Bijagós

4 Dezembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

DEZEMBRO                                                           4ª FEIRA                              22ª Aula

 

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Retomámos o visionamento do documentário Neram N’Dok ao minuto 26’22. E fomos interrompendo o decurso do filme à medida que nos iam surgindo questões decorrentes do que íamos observando.

A relação do sagrado com a alimentação pareceu-nos ser um aspecto fundamental para a compreensão de como este povo vive. A realização de cerimónias no quadro do animismo, tanto para homens como para mulheres, depende sempre da apanha de marisco (pelas mulheres) ou peixe (pelos homens) que é cozinhado e comido após cada ritual. Mas não é de descurar o sentido do sagrado associado também às gerações que hão-de vir. O alimento, qualquer que ele seja, deve apenas ser procurado em função da necessidade. E essa necessidade diz respeito a cada núcleo familiar. Alimentar as crianças de forma adequada significa preparar-lhes o caminho para o futuro. Este pensamento é simples mas verdadeiro e útil. O documentário que vimos é deste ponto de vista uma lição para as sociedades predadoras e esbanjadoras que raramente se contentam com o que lhes é estritamente necessário. O consumo excessivo em todos os campos que constituem a realidade mundializada é um factor de destruição do equilíbrio físico e mental das populações. Os Bijagós não toleram atitudes predadoras ou de enriquecimento fácil, considerando-as negativas para o bem-estar individual, mas sobretudo como regulação social. E é nesta área, nas relações intergeracionais e entre famílias da tabanca (aldeia), que é defendido o princípio de que o corpo não precisa senão do que lhe é próprio e necessário. A justeza deste pensamento permite que exista entre os Bijagós um viver solidário que distribui a riqueza dos bens disponíveis (alimentares, de vestuário e outros) por todos. Isto não significa que não haja desejos e vontades que se revêem nos modelos ocidentais, sobretudo entre os jovens, como aliás acontece em muitas sociedades com escassez de meios para adquirirem objectos que os possam levar a criar processos de imitação.

Neste contexto, defendem os mais velhos que a aprendizagem de uma ética de vida, segundo os seus princípios, pode beneficiar as pessoas que de forma integrada aceitam a hierarquização de classes entre homens e mulheres. Este modelo, já hoje bastante contestado de dentro para fora e pelos mais novos, requer uma ideologização aplicada de etapa em etapa e que traz o selo da tradição. Sujeitos a um carácter muito rígido de organização por classes, homens e mulheres, superam-se em cada estádio aspirando ao seguinte. De certo modo cada classe tem as suas compensações, consagrando assim um bem comum que entre os Bijagós desempenha a função de um bom relacionamento com os deuses e com o mundo natural. Independentemente das conflitualidades que este sistema organizativo possa nos dias de hoje desencadear entre os Bijagós das diferentes ilhas, a conversa à volta de uma árvore ou no terreiro da tabanca ajuda à compreensão dos problemas. Ninguém fica só. Ninguém se debate com dúvidas sem que estas sejam expressas perante todos. A liberdade de discurso ajuda à liberdade de acção, qualquer que essa venha a ser. Entre os Bijagós a espiritualidade tem sempre corpo e ter corpo significa estar disponível para dar e para receber.

 

Leituras recomendadas

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Pesquisa orientada a partir de índice de conceitos no final da obra. O conceito em estudo é homeostasia. A referência no volume em papel é a p. 374.

SARAIVA, Clara 2015. Os Sítios Sagrados no Arquipélago dos Bijagós, Lisboa: Instituto Marquês de Valle Flor.

http://www.imvf.org/wp-content/uploads/2018/02/estudositiossagradosfinal.pdf

SEMEDO, Rui Jorge 2015. Inventário sobre artesanato, dança e cantiga Bijagó, Lisboa: Instituto de Marquês de Valle Flôr.

http://www.imvf.org/wp-content/uploads/2017/12/estudoartesanato_final.pdf

 

Pequenos vídeos

https://www.youtube.com/watch?v=P9EN8_jvOfI 4’32

https://vimeo.com/300486291 (No reino secreto dos Bijagós, um excerto do filme) 12’54

https://www.youtube.com/watch?v=6cEQAKYnFoA (Neram N’Dok) 40’54

 

Mapas observados

http://www.africa-turismo.com/mapas/guine-bissau.htm

https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Modelo-digital-de-terreno-da-Guine-Bissau_fig1_276550761

http://carlserra2003.tripod.com/mapaGB.htm

http://www.africa-turismo.com/guine-bissau/mapa-bijagos.htm

https://www.uniaonet.com/afgarqbijagos.htm