Dos males de uma civilização atordoada

13 Dezembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

         6ª FEIRA                               25ª Aula

 

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A totalidade da aula de hoje ficou reservada ao visionamento do filme Kadjike (115’) do realizador guineense Sana Na N’Hada, rodado, em 2013, em várias tabancas do Arquipélago de Bijagós e também na baixa de Bissau.

Já em visionamentos anteriores de outros objectos documentais nos apercebemos da existência de algumas tensões intergeracionais, a propósito das práticas ritualísticas, das facilidades para se optar por monoculturas, do valor que o dinheiro passa a adquirir, das promessas que o mundo exterior ao Arquipélago transforma em sonhos adiados, em particular, para os jovens rapazes.

O filme que pudemos ver traz consigo um muito mais grave problema para as populações locais que continuam a viver em absoluto respeito pela Natureza. Esse problema – transporte, fabrico e recolocação de droga – e que o filme de ficção trabalha de forma exemplar, não obstante a acentuada visão pedagógica do mesmo, procura repor a ordem abalada por um jovem rebelde a todos os ensinamentos ancestrais e através do qual é feita a exemplificação de um caminho perdedor. Apesar disso, a compreensão do perigo através de experiência própria, traz o protagonista de volta à tabanca e torna nele firme a vontade de regeneração, sendo assim reposta a ordem inicial.

No entanto este filme que parece reflectir sobre as ameaças do exterior de uma forma demasiado bondosa ainda que realista, não consegue por isso apaziguar um fenómeno cada vez mais preocupante e disseminado nestes territórios que não recebem do governo central e das autoridades nacionais qualquer resposta eficaz.  

Sana Na N’Hada é um realizador consagrado na Guiné-Bissau e também a nível internacional. O seu contributo político e social para alertar o país para o enorme negócio da droga não colhe infelizmente grande interesse entre governantes.

O que se passa no Arquipélago de Bijagós é do conhecimento de todos os que lá vivem. Contra este tipo de pragas terríficas nem os espíritos nem o Deus Nindo podem accionar os seus poderes. A Natureza Bijagó dá mezinhas a partir de plantas, torna fecunda a vida deste povo mas é fraco o seu poder contra os traficantes e cartéis da droga que descobriram um paraíso para o tornarem num inferno.

Sana Na N’Hada filma em modo lento a sua ficção, por vezes utilizando o registo teatral em determinadas sequências. É, por exemplo, visível a organização de dois ou três intervenientes locais em preparação para a cena vindos de detrás de árvores. Apesar disso, o registo de abertura com que é contada a história da lendária rainha Acapacama e das suas filhas, constrói um distinto horizonte mítico que é ao longo do filme continuado em modo narrativo. Intencionalmente ou não há uma voz que acompanha o domínio do sagrado como reforço daquilo que defendem os velhos da aldeia, em particular, o feiticeiro, figura central no processo de regeneração do jovem inebriado por um fraco futuro.

Este é um filme africano muito especial, como outros materiais que vimos, e que nos revela uma sociedade baseada em regras muito antigas que fundamentam o viver das populações. A conflituosidade é baixa e nasce essencialmente de uma vontade natural no ser humano de querer testar-se, de querer sonhar diferente, de querer pelo menos ensaiar outros modos de vida. A compreensão deste tipo de conflitos não ignora os ensinamentos de uma cultura ancestral e que se projecta inteiramente numa natureza disponível.

 

Filme

Kadjike (115’) do realizador guineense Sana Na N’Hada, LX-Filmes, 2013, 115’