Em passo lento mas seguro

25 Setembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Iniciámos leitura em voz alta do capítulo 7 da obra de António Damásio A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas e fomos comentando as passagens que se nos revelavam com maior complexidade.

Numa primeira fase convergimos para o mundo exterior a nós e que nos molda na sua permanente actualização mas também como factor desencadeador de estímulos memoriais. É através de imagens na interacção sensorial que por ele somos atraídos e com ele interagimos. Recorda-nos, porém, Damásio que para além desta reacção natural que nos faz virarmo-nos para o exterior, somos solicitados por um «mundo mental paralelo» (p. 145), o mundo dos afectos, que não exigindo de nós um esforço continuado e consciente produz efeito permanente e de forma silenciosa. Em traço grosso somos alertados para uma dinâmica que conduz as nossas vidas em permanência: constância entre interior e exterior.

Acontece, no entanto, que é ao nível do mundo dos afectos que se geram os sentimentos na sua plasticidade e variabilidade. Verificámos, com Damásio, que existem sentimentos espontâneos ou homeostáticos e todo um conjunto de sentimentos mais complexos decorrentes de experiências de emoções. (p. 146) A este propósito ficámos a perceber melhor que as emoções, das quais já antes tinhamos falado com Didi-Huberman, merecem ser reconhecidas e designadas como experiência. Na verdade, quando nos emocionamos, somos alvo de um processo e não de um momento instantâneo. Recortámos da leitura uma palavra que desconhecíamos: qualia e que tentámos explicar como “sentimento cru” e ainda como o “inefável do indiscritível”. Em suma, qualquer coisa que está presente nos sentimentos mas de que pouca ou nenhuma ideia fazemos. Frequentemente associa-se à percepção de uma cor aquilo que nela existe mas não se vê. Por exemplo, a vermelhidão do vermelho e isto em termos de registo exterior, porque interiormente o processo de reconhecimento á ainda mais difícil.

Na sequência desta insubstancialidade invisível fiz leitura de um curto trecho de Damásio em obra anterior, O Livro da Consciência:

«Qualia I

Não há qualquer conjunto de imagens conscientes, seja qual for o tipo ou o seu tema, que não seja acompanhado por um obediente coro de emoções e consequentes sentimentos. Ao olhar o oceano Pacífico, com o seu traje matinal, protegido por um céu suave e cinzento, não estou apenas a ver, estou também a sentir emoções causadas por esta beleza majestosa, e a sentir todo um leque de alterações fisiológicas que se traduzem, obrigado por perguntarem, numa sensação calma de bem-estar. Isto não está a acontecer por deliberação minha, e não sou capaz de evitar esses sentimentos, tal como não seria capaz de os iniciar. Eles chegaram, estão aqui e vão ficar, numa qualquer modulação, enquanto o mesmo objecto consciente permanecer á vista e enquanto a minha reflexão os mantiver em reverberação.» (Damásio, 2010: 314)

 

Uma ida ao teatro, a uma performance, a um espectáculo de música, uma passagem por uma instalação, o estar presente numa exposição não exigem este tipo de conhecimento. Se o pudermos ir obtendo, talvez possamos incorporá-lo lentamente. E dessa perspectiva, quem sabe, nos possamos enriquecer como um todo.

 

Leituras recomendadas:

A obra de Damásio em estudo foi disponibilizada através de E-book. Poderá não coincidir a paginação com o volume em papel

DARWIN, Charles 2006. A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Tradução de José Miguel Silva, Lisboa Relógio D’Água. Leitura orientada em função das sugestões feitas por Didi-Huberman.

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Capítulos 7 e 8, pp. 143-199.

DAMÁSIO, António 2010. O Livro da Consciência – A Construção do Cérebro Consciente, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Indicação de citação.

DIDI-HUBERMAN, Georges 2015. Que emoção! Que emoção?, tradução de Mariana Pinto dos Santos, Lisboa: KKYM.