Experiências de emoção, sentimentos, vísceras

27 Setembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

Voltámos a fazer leitura em voz alta e comentário do capítulo 7 do livro de Damásio, em estudo.

Queremo-nos próximos do pensamento do neurocientista português radicado há décadas nos EUA. E não queremos ser apelidados de superficiais. Dizer que se conhece Damásio exige que dele nos aproximemos de modo lento, por vezes repetindo o acto de leitura.

Os capítulos escolhidos (7º e 8º) do livro em questão tratam de assunto que iniciámos com Didi-Huberman – emoções e afectos.

O nosso propósito com esta nova leitura é aprofundar como se passa da experiência de emoção (processo evolutivo de uma afectação específica e pontual no corpo e na mente) ao sentimento que é uma manifestação mais profunda e complexa que tem lugar «no corpo do organismo em que emerge.» (Damásio, 2017: 149)

Esta relação poderá ser observada no comportamento da actriz Teresa Faria no espectáculo Kiki van Beethoven a que iremos em breve assistir. Tratando-se de um monólogo, toda a nossa atenção se concentrará no desempenho performativo de uma única pessoa, mesmo considerando que se trata de um trabalho artístico, não espontâneo e que foi treinado ao longo de muito tempo. Apesar disso, poderemos alcançar nos pequeníssimos pormenores da representação o que sendo controlável, parece que não é. Nesta específica representação teremos um campo vasto de observação no que a afectos, emoções e sentimentos diz respeito. Levando Didi-Huberman e Damásio como mentores não nos deveremos esquecer de que o espectáculo é, em primeiro lugar, para ser vivido. Nós estaremos nele implicados de várias formas. Nós somos também alvo de percepção, reacção afectiva e avaliação.

As imagens que nos forem surgindo transportam consigo uma genealogia antiquíssima (lembremo-nos das pinturas rupestres de há milhares e milhares de anos) que podemos equiparar ao funcionamento das emoções. Saliento aqui as «emoções de fundo» que, segundo António Damásio, na sua obra O Sentimento de Si – O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência, exprimem «o núcleo interior da vida e o seu alvo é mais interno do que externo.» (Damásio, 2000: 73)

Quer isto dizer que apesar de ser a exterioridade das imagens que nos atrai, é dentro de nós que se prepara a capacidade de as recebermos.

Diz-nos então Damásio: «Quando sentimos que uma pessoa está «tensa» ou «irritável», «desanimada» ou «entusiasmada», «em baixo» ou bem-humorada», sem que uma única palavra tenha sido dita para traduzir quaisquer destes possíveis estados, estamos a detectar emoções de fundo. Conseguimos detectar emoções de fundo através de pormenores subtis relacionados com a postura corporal, com a velocidade e contorno dos movimentos, com modificações mínimas na quantidade e velocidade dos movimentos oculares e no grau de contracção dos músculos faciais.

Os indutores das emoções de fundo são habitualmente, internos.» (Damásio, 2000: 73)

Para concluir por ora, demos ainda atenção a Damásio: «(…) as emoções de fundo podem ser causadas por um esforço físico prolongado – desde o «high» (sentir-se bem) que se segue ao jogging, até ao «low» (sentir-se em baixo) devido a um trabalho físico desinteressante e monótono pelo remoer de um a decisão difícil de tomar – uma das razões que explicam a tristeza de Hamlet – ou, pela antecipação de um acontecimento magnífico que nos aguarda.» (Damásio, 2000: 73.)

Estas emoções de fundo de que nos fala o neurocientista e bíólogo em obra anterior à que estudamos são parceiras dos sentimentos mais profundos e íntimos. Em A estranha ordem das coisas iremos aperceber-nos também de que todo o nosso corpo interage em presença e com a ajuda da memória, apoiada na longevidade da espécie, com as próprias vísceras. Este fenómeno interessa igualmente à espectação artística. As vísceras apropriam-se do que nos dizem e como o dizem os sentimentos na sua mais recôndita operatividade mental consciente.

Prosseguiremos a leitura em curso de acordo com a metodologia anunciada. Acredito que só assim ela será proveitosa.

 

Leituras recomendadas:

A obra de Damásio em estudo foi disponibilizada através de E-book. Poderá não coincidir a paginação com o volume em papel.

DARWIN, Charles 2006. A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Tradução de José Miguel Silva, Lisboa Relógio D’Água. Leitura orientada em função das sugestões feitas por Didi-Huberman.

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Capítulos 7 e 8, pp. 143-199.

DAMÁSIO, António 2000. O Sentimento de Si – O Corpo, a Emoção e aq Neurobiologia da Consciência, Lisboa: Publicações Europa-América. Para efeito de citação.

DAMÁSIO, António 2010. O Livro da Consciência – A Construção do Cérebro Consciente, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Indicação de citação.

DIDI-HUBERMAN, Georges 2015. Que emoção! Que emoção?, tradução de Mariana Pinto dos Santos, Lisboa: KKYM.

 

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