O quotidiano difícil dos Bijagós

22 Novembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

NOVEMBRO                                   6ª FEIRA                                          19ª Aula

 

 

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Demos início ao visionamento de excerto (12’54) do filme No reino secreto dos Bijagós dos realizadores Luis Correia e Noémie Mandelle, 45’, 2014.

Apesar de ser um excerto muito reduzido em relação à totalidade do filme, ele foi suficiente para que nos apercebêssemos de alguns aspectos da realidade que constitui a vida do povo Bijagó hoje. As linhas introdutórias ao filme são bastante esclarecedoras, por exemplo, sobre o modo como esse povo vive numa permanente inspiração e comunhão com a Natureza, sendo os Bijagós parte integrante dessa mundividência e, nesse sentido, demonstrando reconhecidamente a ela e grande devoção através de práticas e vivências religiosas de fundo animista.

O filme que não vimos mas que intuímos é um documentário, no qual se escutam as vozes de velhos e jovens que continuam a partilhar um espaço por eles considerado sagrado e celebratório. Tal não impede, e exactamente por essa razão, que os problemas da vida dos homens e mulheres que habitam nas várias ilhas do Arquipélago se exprimam normalmente de uma forma sábia e não revoltada ou violenta sobre muitas das dificuldades que os afectam. Estas dificuldades prendem-se com sobrevivência digna; intergeracionalidade, sua organização e práticas ritualísticas e de integração na vida comunitária; respeito e admiração pelos mais velhos; entendimento progressivo de que “o mundo lá fora” é um constante apelo para os mais jovens, se bem que não a qualquer preço.

Ali, nas várias ilhas habitadas, os deuses e os espíritos só podem ser coadjuvantes dos seres humanos e são estes que terão de encontrar soluções para os enormes obstáculos com que se confrontam nos seus quotidianos e que certamente são causa de perturbação.

A leitura de um ocidental destas questões é quase sempre impreparada. Primeiro porque a comunicação é dificultada pela língua não-comum (poucos são os que falam português), e também porque os Bijagós são um povo simples e doce que não carrega outros com os seus lamentos. As questões colocadas, por exemplo, sobre a diversidade do que antes cultivavam (arroz, mandioca, amendoim (mancarra em crioulo), o que extraiam da plameira, vinho e óleo de palma, confronta-se com uma realidade derivada da opção pela cultura extensiva e intensiva do caju. O dinheiro fácil mas não em abundância parece justificar a opção, ainda que os agricultores não nos mostrem rostos efusivos nem haja afirmação de que a cultura do caju resolveu para sempre todos os problemas dos Bijagós no que à sobrevivência diz respeito. Ao contrário disso apercebemo-nos de uma certa nostalgia por um tempo em que as culturas diversificadas eram fonte de abundância para todos. A saudade desse tempo tem expressão fílmica na forma como os últimos fardos de arroz são acariciados pelas dedos dos agricultores, espraiando-se pelas espigas de arroz colhido, enquanto comentam as suas histórias de vida. Paradoxal parece ser a opção por esta nova cultura que dando dinheiro não causa felicidade.

Curtos e fugidios são os excertos que exibem danças quer de homens quer de mulheres e em separado, através das quais se fazem celebrações e se honram deuses e humanos vivos e defuntos. A esta matéria voltaremos através de obra de Rui Jorge Semedo, Inventário sobre Artesanato, Dança e Cantiga Bijagó.

 

Leituras recomendadas

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Pesquisa orientada a partir de índice de conceitos no final da obra. O conceito em estudo é homeostasia. A referência no volume em papel é a p. 374.

SARAIVA, Clara 2015. Os Sítios Sagrados no Arquipélago dos Bijagós, Lisboa: Instituto Marquês de Valle Flor.

http://www.imvf.org/wp-content/uploads/2018/02/estudositiossagradosfinal.pdf

SEMEDO, Rui Jorge 2015. Inventário sobre artesanato, dança e cantiga Bijagó, Lisboa: Instituto de Marquês de Valle Flôr.

http://www.imvf.org/wp-content/uploads/2017/12/estudoartesanato_final.pdf

 

Pequenos vídeos

https://www.youtube.com/watch?v=P9EN8_jvOfI 4’32

https://vimeo.com/300486291 (No reino secreto dos Bijagós, um excerto do filme) 12’54