dois dedos de emoção

15 Outubro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                       5ª FEIRA                                           5ª Aula

 

15

 

Saídas de Campo

Ocupámo-nos da agilização de ingressos para dois espectáculos em cena na cidade:

1- Chicago com música de John Kander, letras de Fred Ebb e libreto deste e de Bob Fosse. Espectáculo encenado por Diogo Infante, Teatro da Trindade. Sessão escolhida, a de 4ª feira, dia 28 de Outubro, pelas 21 horas. Duração do espectáculo 120 minutos.

2 – O mundo é redondo de Gertrud Stein, com tradução de Luísa Costa Gomes, em reposição no Teatro do Bairro. Encenação de António Pires com Carolina Campanela, Carolina Serrão, Sandra Santos e Vera Moura. Duração do espectáculo 80 minutos.

 

Por razões distintas, a preparação destas saídas de campo não foi muito feliz. No caso do Teatro da Trindade o protocolo com outra instituição limitou a possibilidade de o TT poder oferecer preços de bilhetes mais baratos para os alunos.

Paralelamente a este impedimento, os alunos inadvertidamente foram-se inscrevendo ao seu ritmo, apesar de aviso para que tomassem posição.

O espectáculo esgotou com aquisições de outros espectadores, exactamente para o dia escolhido por nós e por ser o mais barato, e, exactamente por isso, não restou alternativa para contemplar todos os interessados.

Apesar destas adversidades contámos com o apoio da Drª Maria Carneiro, assessora do director do TT que foi recebendo e respondendo a e-mails meus e dos alunos numa tentativa de ajudar a encontrar lugares para os inscritos.

Para O mundo é redondo, e com o apoio da actriz Carolina Campanela, e porque o grupo de interessados era mais restrito, foi possível satisfazer todos os pedidos. Dada a curta série de representações desta obra e de eu ter sido informada da mesma a muito curto prazo, nem sequer houve tempo para uma pequena conversa sobre um grande espectáculo. Cada aluno escolheu a data mais conveniente e possível para assistir a O mundo é redondo.

 

Escutaremos na próxima aula (20 de Outubro) os alunos que tenham assistido a O mundo é redondo.

Escutaremos a 29 de Outubro os alunos que tenham estado presentes no espectáculo Chicago.

 

Procuraremos em próximas saídas agir de forma a dar a todos a oportunidade de estarem presentes e serem participativos.

 

Retomámos o comentário à pequena obra em estudo de Georges Didi-Huberman e na qual o autor francês traça de forma lapidar o percurso de esquecimento a que as emoções foram sendo alvo ao longo da História e das culturas ocidentais.

Uma possível forma de nos aproximarmos de Que emoção! Que emoção? será acompanharmos o percurso histórico do entendimento de pathos, como ele vai sendo desdobrado e configurado enquanto produtor de emoção, e que se manifesta, por exemplo, no pensamento de Aby Warburg (1866-1929), historiador de arte e um homem multifacetado nos seus interesses investigativos, que desenvolveu um princípio que fundamenta a existência de uma história da humanidade ancorada em imagens que referenciam o gesto e o movimento dos corpos no seu primitivismo emocional, tal como alega Darwin, e que são ao mesmo tempo factor de compreensão e transformação de imagens posteriores. A este processo chamou Warburg «fórmulas de pathos», não com a intenção de estabelecer um único parâmetro de aferição, mas partindo das próprias imagens e indo ao encontro de aspectos que as identificavam na sua individualidade e, ao mesmo tempo, as projectavam para posteriores leituras captáveis em objectos e imagens criados em épocas diferentes e distantes entre si.

Como afirma Didi-Huberman, a propósito do Atlas de Imagens Mnémosine, criado por Aby Warburg nos últimos anos da sua vida: «É uma história cheia de surpresas, uma história em que se descobre que as imagens ao mesmo tempo transmitem e transformam os mais imemoriais gestos emotivos.» (Didi-Huberman, 2015: 36)

A este respeito gostaria de convosco recuperar o processo expressivo dos bailarinos-actores de Kathakali nas suas prestações performativas. O que é aprendizagem e exercitação e o que existe em cada um deles como natureza não aprendida e que ao seu dispor se encontra como existe em cada um de nós. A opção de criar uma linguagem para o rosto que suspende e transforma em cada momento a expressão natural, activando-a como potência, corresponde ao treino artístico que o espectáculo exige. Paralelamente a codificação dos movimentos e posições das mãos tornam-se uma complementaridade do processo que a estes actores-bailarinos confere a prerrogativa de não usarem a voz como instrumento. Assim, estamos perante escolhas artísticas que procuram criar a partir de modelos de evolução da espécie muito antigos a possibilidade de despertar nos espectadores um conjunto de emoções associadas ao que estes conhecem e às características biológicas que possuem. De certo modo o processo de acção e transformação do Kathakali poderia ser reconhecido nas «fórmulas de pathos» warburgiana sobre o comportamento afectivo.

Em jeito de remate gostaria ainda de salientar o facto de que esta palestra de Didi-Huberman integrou um ciclo a que então se chamou Luzes para Crianças, inspirado em obra do autor alemão Walter Benjamin, dedicada às crianças do seu tempo e do futuro, e que foi transmitida entre 1929 e 1933, pela rádio de Colónia. Este público infanto-juvenil das histórias de Benjamin talvez pudesse ser comparado ao público para quem Didi-Huberman falou em 2013. Em ambos os casos a escuta e a visualização tinham como objectivo emocionar, mesmo que se tratasse de pensadores para adultos. A atenção das crianças pedia treino, exercício intelectual, mas sobretudo criação de interesse. Talvez os ouvintes e espectadores de Didi-Huberman se distraíssem de vez em quando. E é provável que muitas das referências enunciadas por Didi-Huberman pouco ou nada dissessem ao auditório infanto-juvenil que o acompanhou. Apesar disso, na expressão Luzes para Crianças encontramos um princípio que pode ser esclarecedor no que diz respeito ao acto de tornar claro, abrir novos horizontes, de iluminar, como foi, aliás, apanágio de uma corrente do pensamento europeu no séc. XVIII, designada de Iluminismo.

Curiosamente nesta conferência o acto de iluminar centra-se na explícita valorização das emoções, questão que não só teve difícil entendimento da parte de muitos ideólogos deste movimento europeu (Ex: Kant, pp. 22-23), como também terá tido justificação explícita na tradição aristotélica e platónica (p.p. 20-13), que parece ter fundamentado o facto de a dimensão emocional do comportamento humano não se equiparar ao potente horizonte que foi sendo traçado ao longo de séculos para a razão.

Esta dicotomia, em termos filosóficos, só veio a diluir-se no pensamento de Schopenhauer e de Nietzsche (sé. XIX), mas também no pensamento literário de um Lenz, ou de um Goethe juvenil e de alguns estudiosos da fisiologia dos humores ou da observação aturada da expressão do rosto e gestualidade, como aconteceu com o teólogo, poeta, filósofo e fisionomista suíço, Johann Caspar Lavater (1741-1801), preciosa fonte informativa para Charles Darwin, sendo este abundantemente referido por Didi-Huberman na sua conferência.

A nossa aproximação a Didi-Huberman, discutindo as suas proposições e dando atenção ainda ao capítulo de perguntas e respostas com que termina o livro vem dar razão a quem defende a não menorização dos mais novos. As perguntas a Didi-Huberman são das crianças e dos seus acompanhantes. O filósofo e historiador de arte procura com as suas respostas a luz que as crianças merecem.

Cabe agora ouvir-vos sobre o modo como experienciámos o espectáculo de Kathakali. O que se vos oferece dizer associando-o à manifestação explícita de emoções.

 

Acedemos, no contexto do comentário à palestra de Didi-Huberman, à observação de estudos fisionómicos produzidos no séc. XVIII pelo médico e filósofo suíço Johann Caspar Lavater. A exemplificação apresentada associava traços e formas de rostos a características de personalidade e temperamento organizados em função de uma taxonomia tipológica conhecida desde Galeno e Hipócrates: fleumático, colérico, melancólico, sanguíneo. Esta sistematização, apresentada em desenhos e gravuras, integrava um espírito de época que pretendia nomear, catalogar e organizar todo o conhecimento existente ou a existir como forma de organização do mundo numa perspectiva de o racionalizar. As nomenclaturas de Carl Linée para plantas e animais são disso exemplo.

Ao olharmos para as imagens apresentadas em aula, observámo-las com o intuito de as descodificarmos. Com elas não nos emocionámos.

Ao contrário das imagens apresentadas por Johann Caspar Lavater, as que o foram por Darwin e Didi-Huberman, sobretudo por este último, quem sabe elas nos tenham comovido.

De certo modo as «fórmulas de pathos» invocadas e trabalhadas por Aby M. Warburg inspiram em nós uma espécie de pós-vida das imagens independentemente do tempo histórico, do lugar, do estatuto social, dos objectos em questão, da mundividência escolhida. O carácter ritualístico e subjectivo que as imagens adquirem, mas também as representações a elas associadas estendem-se infinitamente como movimento indissociável. Emociona-nos esta configuração pensativa.

 

Leitura recomendada:

DIDI-HUBERMAN, Georges 2015. Que emoção! Que emoção?, tradução de Mariana Pinto dos Santos, Lisboa: KKYM.

 

Obras folheadas em aula

DARWIN, Charles 2006. A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Tradução de José Miguel Silva, Lisboa Relógio D’Água.

MENDES, Anabela et altri (Org.) 2012. Qual o tempo e o movimento de uma elipse? – Estudos sobre Aby M. Warburg, Lisboa: Universidade Católica Editora

 

A gravação premeditada de aulas retira às mesmas a espontaneidade de participação