Emoções e Sentimentos - difícil mas necessária negociação

15 Dezembro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

DEZEMBRO                         3ª FEIRA                               19ªAula

 

15

 

Aula ZOOM

 

Durante esta aula dei esclarecimentos possíveis sobre o formato do próximo teste.

Fizemos a seguir uma breve aproximação ao livro de António Damásio Que estranhas são as coisas - A vida, os sentimentos e as culturas humanas. Esta obra que integrava o programa não teve direito a tratamento lento e aprofundado.

Os alunos tiveram acesso a ela e poderão, caso entendam, prolongar leituras feitas nesta cadeira que se iniciou com um texto extraordinário de Didi-Huberman sobre o campo de investigação a que iriamos dar toda a nossa atenção – emoções e sentimentos.

Dentro desta perspectiva Damásio dedica o capítulo 7 da sua obra aos sentimentos. Resolvi, assim, apresentar aos alunos interpretação de parte desse capítulo.

Todos os capítulos da obra, A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas de António Damásio são preciosos, mas esse valor cabe-nos a nós descobrir.

Eu escolhi o capítulo 7 – os afectos – da Parte II – A montagem da mente cultural.

De todo o capítulo haverá passagens mais complexas do que outras, o que propõe uma leitura seguida em busca das dificuldades.

Numa primeira fase podemos convergir para o mundo exterior a nós e que nos molda na sua permanente actualização, mas também como factor desencadeador de estímulos memoriais. É através de imagens na interacção sensorial que por ele somos atraídos e com ele interagimos. Recorda-nos, porém, Damásio que para além desta reacção natural que nos faz virarmo-nos para o exterior, somos solicitados por um «mundo mental paralelo» (p. 145), o mundo dos afectos, que não exigindo de nós um esforço continuado e consciente produz efeito permanente e de forma silenciosa. Em traço grosso somos alertados para uma dinâmica que conduz as nossas vidas em permanência: constância entre interior e exterior.

Acontece, no entanto, que é ao nível do mundo dos afectos que se geram os sentimentos na sua plasticidade e variabilidade. Verificamos, com Damásio, que existem sentimentos espontâneos ou homeostáticos e todo um conjunto de sentimentos mais complexos decorrentes de experiências de emoções. (p. 146) A este propósito ficamos a perceber melhor que as emoções, das quais já antes tinhamos falado com Didi-Huberman ou com Frazzetto, merecem ser reconhecidas e designadas como experiência. Na verdade, quando nos emocionamos, somos alvo de um processo e não de um momento instantâneo. Chorei recentemente numa aula. Como é óbvio não foi repentina essa perturbação. Por detrás das lágrimas havia um conjunto de memórias e experiências que fizeram activar num determinado momento a experiência de emoção e o sentimento que a partir daí se constrói.

Prosseguindo a leitura, deparei-me com uma palavra que não é frequente no nosso discurso: qualia e que tentei explicar como “sentimento cru” e ainda como o “inefável do indiscritível”. Em suma, qualquer coisa que está presente nos sentimentos, mas de que pouca ou nenhuma ideia fazemos. Frequentemente associa-se à percepção de uma cor aquilo que nela existe, mas não se vê. Por exemplo, a vermelhidão do vermelho e isto em termos de registo exterior, porque interiormente o processo de reconhecimento á ainda mais difícil.

Na sequência desta insubstancialidade invisível fiz leitura de um curto trecho de Damásio em obra anterior, O Livro da Consciência:

«Qualia I

Não há qualquer conjunto de imagens conscientes, seja qual for o tipo ou o seu tema, que não seja acompanhado por um obediente coro de emoções e consequentes sentimentos. Ao olhar o Oceano Pacífico, com o seu traje matinal, protegido por um céu suave e cinzento, não estou apenas a ver, estou também a sentir emoções causadas por esta beleza majestosa, e a sentir todo um leque de alterações fisiológicas que se traduzem, obrigado por perguntarem, numa sensação calma de bem-estar. Isto não está a acontecer por deliberação minha, e não sou capaz de evitar esses sentimentos, tal como não seria capaz de os iniciar. Eles chegaram, estão aqui e vão ficar, numa qualquer modulação, enquanto o mesmo objecto consciente permanecer á vista e enquanto a minha reflexão os mantiver em reverberação.» (Damásio, 2010: 314)

 

Uma ida ao teatro, a uma performance, a um espectáculo de música, uma passagem por uma instalação, o estar presente numa exposição não exigem este tipo de conhecimento. Se o pudermos ir obtendo, talvez possamos incorporá-lo lentamente. E dessa perspectiva, quem sabe, nos possamos enriquecer como um todo.

 

Queremo-nos próximos do pensamento do neurocientista português radicado há décadas nos EUA. E não queremos ser apelidados de superficiais. Dizer que se conhece Damásio exige que dele nos aproximemos de modo demorado e consequente, por vezes repetindo o acto de leitura.

O capítulo escolhido do livro em questão trata de assunto que iniciámos com Didi-Huberman – emoções e afectos como já antes referi.

O nosso propósito com esta nova leitura é aprofundar como se passa da experiência de emoção (processo evolutivo de uma afectação específica e pontual no corpo e na mente) ao sentimento que é uma manifestação mais profunda e complexa que tem lugar «no corpo do organismo em que emerge.» (Damásio, 2017: 149)

As imagens que nos forem surgindo transportam consigo uma genealogia antiquíssima (lembremo-nos das pinturas rupestres de há milhares e milhares de anos) que podemos equiparar ao funcionamento das emoções. Saliento aqui as «emoções de fundo» que, segundo António Damásio, na sua obra O Sentimento de Si – O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência, exprimem «o núcleo interior da vida e o seu alvo é mais interno do que externo.» (Damásio, 2000: 73)

Quer isto dizer que apesar de ser a exterioridade das imagens que nos atrai, é dentro de nós que se prepara a capacidade de as recebermos.

Diz-nos então Damásio: «Quando sentimos que uma pessoa está «tensa» ou «irritável», «desanimada» ou «entusiasmada», «em baixo» ou bem-humorada», sem que uma única palavra tenha sido dita para traduzir quaisquer destes possíveis estados, estamos a detectar emoções de fundo. Conseguimos detectar emoções de fundo através de pormenores subtis relacionados com a postura corporal, com a velocidade e contorno dos movimentos, com modificações mínimas na quantidade e velocidade dos movimentos oculares e no grau de contracção dos músculos faciais.

Os indutores das emoções de fundo são habitualmente, internos.» (Damásio, 2000: 73)

Para concluir, demos ainda atenção a Damásio: «(…) as emoções de fundo podem ser causadas por um esforço físico prolongado – desde o «high» (sentir-se bem) que se segue ao jogging, até ao «low» (sentir-se em baixo) devido a um trabalho físico desinteressante e monótono pelo remoer de uma decisão difícil de tomar – uma das razões que explicam a tristeza de Hamlet – ou, pela antecipação de um acontecimento magnífico que nos aguarda.» (Damásio, 2000: 73.)

Estas emoções de fundo de que nos fala o neurocientista e bíólogo em obra anterior, pela qual optámos, são parceiras dos sentimentos mais profundos e íntimos. Em A estranha ordem das coisas podemos aperceber-nos também de que todo o nosso corpo interage em presença e com a ajuda da memória, apoiada na longevidade da espécie, com as próprias vísceras. Este seria um aspecto a ver posteriormente mas de que falámos a propósito da espectação presencial. Este fenómeno interessa igualmente à espectação artística. As vísceras apropriam-se do que nos dizem e como o dizem os sentimentos na sua mais recôndita operatividade mental consciente.

 

Leituras recomendadas:

A obra de Damásio em estudo foi disponibilizada através de E-book. Poderá não coincidir a paginação com o volume em papel.

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Capítulos 7 e 8, pp. 143-199.

DAMÁSIO, António 2000. O Sentimento de Si – O Corpo, a Emoção e aq Neurobiologia da Consciência, Lisboa: Publicações Europa-América. Para efeito de citação.

DAMÁSIO, António 2010. O Livro da Consciência – A Construção do Cérebro Consciente, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Indicação de citação.

DIDI-HUBERMAN, Georges 2015. Que emoção! Que emoção?, tradução de Mariana Pinto dos Santos, Lisboa: KKYM.

DARWIN, Charles 2006. A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Tradução de José Miguel Silva, Lisboa Relógio D’Água. Leitura orientada em função das sugestões feitas por Didi-Huberman

 

Leitura recomendada para lá do fim do semestre

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Capítulos 7 e 8, pp. 143-199.