O que nos dizem os rituais. Como eles nos preservam.

24 Novembro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                        3ª FEIRA                               15ª Aula

 

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Dedicámos a nossa atenção ao primeiro capítulo da obra Do desaparecimento dos rituais – Uma topologia do Presente de Byung-Chul Han.

Importa referir o subtítulo do conjunto de ensaios, nomeadamente a palavra «topologia». Esta aplica-se à organização de determinadas categorias de palavras que passam a estruturar e a defender formas de pensamento que conduzem estruturalmente uma ideia ou ideias.

O autor sul-coreano transpõe este modus operandi para a ideia central do seu livro – a morte progressiva da vida ritualizada apresenta-se como uma perda incalculável para as sociedades contemporâneas e está associada à incapacidade de gerir um tempo em todas as suas modulações. A questão temporal torna-se dominante pela capacidade de respeito que ela mantém com conceitos como comunidade, pensamento simbólico, conhecer e re-conhecer, processos de estabilidade, entre outros.

Verifica o autor, por exemplo, que uma comunidade não precisa de se afirmar por aquilo que provenha de uma prática ritualística stricto sensu porque essa experiência está nela incorporada, não sendo necessário anunciá-la. Deste ponto de vista a informação é totalmente desnecessária. Ora o que mais temos nas sociedades contemporâneas é excesso informativo que nos descentra do essencial. Os rituais são essenciais a um viver estável das populações activando o pensamento simbólico que é parte das nossas capacidades mentais e afectivas e que caracteriza a nossa espécie. Atribuir valor simbólico a uma cerimónia religiosa, por exemplo, não tem apenas a ver com a dimensão espiritual e ecuménica do acontecimento. O ritual é também e por natureza uma prática do corpo e este está sempre envolvido no processo, qualquer que ele seja, e nem que seja para atribuir a uma pedra um valor acrescentado que ela antes não possuía. De forma singular e colectiva os protagonistas e observadores de rituais participam e defendem a permanência de uma vida ritualizada que encontra na repetição «pela sua capacidade de gerar uma intensidade» (p. 17) um modo estabilizador de viver a vida, de garantia daquilo a que o autor chama mesmidade, conceito trabalhado pela filósofa Hannah Arendt  (p. 13) e que permite a convivência do que é com o que se transforma.

Esta obra recente de Byung-Chul Han equaciona aspectos do funcionamento anómalo e desintegrador das sociedades contemporâneas (o cansaço que mata como iremos ver no filme de Isabella Gesser), a automatização da rotina onde o conceito de repetição e de re-conhecimento não cabem, onde um mundo digital que curva as nossas costas e cansa os nossos olhos alienando-nos de uma vida boa.

Neste contexto, teremos ainda a oportunidade de assistir ao filme  Os Escultores dos Espíritos de Luis Correia e Noemie Mendelle, um filme sobre os rituais do povo Bijagó, e que é talvez um dos últimos exemplos planetários da preservação de que o que é antigo prossegue no contemporâneo e se abre à compreensão de que a mudança é uma força integrada.

Cito ainda Byung-Chul Han: «São as forms rituais que, como a cortesia, possibilitam não só um belo trato entre as pessoas, mas também um grácil e respeitoso relacionamento com as coisas. No âmbito do ritual, as coisas não são consumidas, mas usadas. Por isso podem também envelhecer, tornar-se antigas.» (p. 13)

Por fim gostaria de salientar que, em nota prévia, Byung-Chul Han rejeita ser compreendido nesta obra como um defensor de um passado mais ou menos longínquo e nostálgico. O seu desígnio é centrar-se no presente e ser objectivo nas suas argumentações. Sem dúvida que o faz. É do presente que se fala, do presente que nos torna intranquilos. Apesar disso, o autor não consegue deixar de revelar uma natureza romântica, que valoriza determinadas formas e referências de diferentes passados com as quais se identifica, como o que nos diz o filme que iremos ver na 5ª feira.

Escolher o assunto dos rituais e valorizá-lo em permanência define um âmbito de trabalho que lhe merece toda a atenção. No fundo verificamos que a sua apetência por uma vida ritualizada é expressão de equilíbrio e harmonia que se tornou ela mesma um sintoma de perda quase irrecuperável.

Talvez que um hipotético encontro entre Byung-Chul Han e António Damásio, autor da obra A Estranha Ordem das Coisas, pudesse acontecer. Ambos defendem uma perspectiva homeostática da natureza humana através da biologia, da cultura e da arte na sua relação com o meio ambiente, com o planeta e com o Universo. Destacaremos algumas passagens do livro de Damásio, que em aula comentaremos como despedida.

 

Leitura recomendada

HAN, Byung-Chul, 2020. Do desaparecimento dos Rituais – Uma Topologia do Presente, Lisboa: Relógio D’Água.

 

A gravação premeditada de aulas retira às mesmas a espontaneidade de participação.