Ritualizar - Desritualizar

10 Dezembro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

ZEMBRO                     5ª FEIRA                               18Aula

 

10

 

 

Comentámos os resultados do primeiro teste e regozijámo-nos por não ter havido notas negativas.

Empenhámo-nos em discorrer sobre o pensamento de Byung-Chul Han a partir do filme de Isabella Gesser sobre as actuais sociedades ocidentais e não ocidentais. Recorremos também ao livro de Byung-Chul Han, Do desaparecimento dos Rituais - Uma topologia do presente, para identificarmos o percurso das tatuagens (escolha exemplificativa dos alunos), desde tempos antigos e até ao presente. Esta prática simbólica é entendida pelo autor sul coreano como reflexo de uma acção que juntava indivíduos e comunidades. Apresentei como exemplo as tatuagens de piratas que identificavam a pertença a um grupo. As alunas exibiram as suas tatuagens e defenderam-nas com amor e rigor. Uma palavra nos estava a escapar nesta contenda – a palavra autenticidade e o que ela significa para Byung-Chul Han. «A sociedade da autenticidade é uma sociedade da performance. Todos se performam. Todos se produzem. Todos celebram o culto, a missa do eu, em que cada um é sacerdote de si mesmo. (p. 25) Afirma ainda o filósofo sul coreano que «autenticidade e comunidade não se excluem mutuamente.» (p. 26) Aquilo que parece contrariar o percurso histórico da tatuagem, e com longuíssima História, é o carácter que perante ela assume cada tatuado. Aquilo que se expressa através da tatuagem como prova de união e confiança entre indivíduos, quando delegado na moda, no estar na moda, perde todo o significado que lhe está intrínseco. A tatuagem é feita no corpo de alguém para sempre, embora existam hoje técnicas que podem desfazer o que antes foi vontade.  Apesar da honesta discussão em que nos envolvemos, as alunas não entenderam como válido o ponto de vista do autor que baseia a sua posição na perda de simbolismo do acto de tatuar. E diz-nos ele ainda: «No séc. XIX, época em que as tatuagens eram muito populares, especialmente na alta sociedade, o corpo era ainda uma tela em que se projectavam os anseios e sonhos. Hoje, falta-lhes toda a força simbólica. Referem apenas a singularidade do portador.» (p. 28) Apresentámos ainda o exemplo das vestes das mulheres muçulmanas como tradição e ritual. Neste caso a complexidade da situação em que estas mulheres se apresentam em público envolve aceitação e não aceitação. Vestir-se com uma burca, um niqab, um hijab,  ou um chador  particulariza o ritual que é ditado pelo marido à mulher. Quando aceite qualquer uma das opções deste vestuário cultural e religioso, nada há a dizer sobre ele.  A rejeição do mesmo, ou a rejeição silenciosa do mesmo, pressupõe que a ritualização poderá querer desvincular quem o usa. A discussão encontrou obstáculos ao estilo de escrita do autor sul coreano que não foi possível ultrapassar. As frases breves e lapidares de Han pareceram não colher apreço entre as alunas que mais directamente se envolveram no diálogo. Apesar disso, e mais importante do contrariado estilo de Han, o que importa de sobremaneira são os conteúdos. E estes têm valor próprio e reconhecido por muitos leitores em todo o mundo.

O pensamento de Byung-Chul Han faz-nos rever o tempo em que vivemos. Por exemplo, conceitos como positividade e negatividade são por ele orientados em sentido contrário ao habitual. Esta capacidade de descobrir sentido onde não pensávamos que ele existe, é, por certo, um aspecto do seu trabalho filosófico e social.

«O veredicto geral da sociedade positiva chama-se “gosto”. É revelador que o Facebook se tenha, por conseguinte, recusado a introduzir a possibilidade de um clique “não gosto”. A sociedade positiva evita toda a modalidade de jogo da negatividade, uma vez que esta detém a comunicação.» Han, 2014: 19)

 

O filme Os Escultores dos Espíritos, passou a poder ter um trabalho de proximidade. Multiplicado o objecto de pesquisa, isso veio permitir a cada um olhar de forma mais demorada o que uma primeira vez não deu a ver.

 

Leituras recomendadas:

HAN, Byung-Chul, 2020. Do desaparecimento dos Rituais – Uma Topologia do Presente, Lisboa: Relógio D’Água.

HAN, Byung-Chul 2014. A Sociedade da Transparência, Tradução de Miguel Serras Pereira, Lisboa: Relógio D’Água.

 

Filme visionado:

Os Escultores dos Espíritos, realização de Luis Correia e Noemie Mandelle, LX-Filmes, legendas em português, 54’. 2014.