A consciência em nós

8 Novembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Saída de Campo a O declive e a inclinação, espectáculo de teatro e música de Alexandre Pieroni Calado e João Ferro Martins, produção da Artes & Engenhos representado no espaço do Teatro Praga. (sábado, 5.11.2016, 21:30 – 22:30)

 

Concluímos a leitura comentada do documento dedicado ao princípio de interacção corpo-cérebro como um princípio geral que nos organiza como seres evolutivos dentro da nossa espécie e que nos atribui todas as prerrogativas e condições para sermos e agirmos em conformidade com a nossa natureza biológica e neuronal.

O desenvolvimento dos estudos neurocientíficos permite-nos hoje compreendermos melhor como funciona o nosso organismo e podermos contrapor à tradicional divisão entre o domínio da razão e o domínio da emoção um princípio homeostático que preserva o todo, não em detrimento das suas partes, mas o todo como prevalência integrada. Esta matéria diz respeito a actores e performers. Ela integra capacidades e consciência de cada espectador.

Espectámos um curto vídeo de uma produção coreográfica de Dimitris Papaioannou, intitulado Nowhere. Simbolicamente a sequência de cenas apresentada possibilitava uma relação com a matéria da dança – os corpos – de um ponto de vista da sua funcionalidade e integração, do visível. As partes dos corpos dos bailarinos interrogavam-nos sobre como um corpo poderia significar muitos corpos, mas também a perspectiva contrária. Talvez um organismo no seu interior possa ter correspondência no desenho coreográfico apresentado.

Tomámos juntos a decisão de encurtar o nosso programa (Bruce McConachie e Marie-José Mondzain) para dedicarmos a António Damásio e a Jacques Rancière mais tempo e pensamento. Esta escolha tem agora por base excertos de O Livro da Consciência do neurocientista português seleccionados por mim e outros seleccionados pelos alunos. Este gesto implica duas estratégias pedagógicas: a professora escolhe o que conhece e pensa ser do interesse dos alunos; cada aluno é livre de escolher (a partir do índice da obra e consulta prévia do volume) partes da obra que pensa lhe poderão interessar.

Entrámos em Damásio com a leitura de uma curta reflexão (19-21) do autor a partir de uma viagem de avião por ele realizada e que serve de pano de fundo para um primeiro encontro com a compreensão do que é um estado de consciência através da mente subjectiva. O registo de estados corporais, a enunciação de particularidades da situação em que se encontrava o sujeito-narrador, a estruturação do tempo e do espaço, a rede infinita de pensamentos diversos têm a finalidade de destacar como toda essa experiência diz em primeiro lugar respeito a um sujeito (e só a ele), exaltando nele a condição de dono e senhor da sua mente consciente e de todo o conjunto de funções de que dispõe (memória, raciocínio, linguagem, criatividade) no trajecto final dessa viagem.

De certo modo esta narrativa de uma viagem aérea de Damásio pode apelar para a escrita de diários de bordo que se vão constituindo como documento individualizado de espectação artística. A contingência de que muita coisa nos escapa e sempre nos escapará terá de ser um acto consciente e isso faz parte da aprendizagem que fazemos de nós mesmos.

Termino com uma citação de Damásio: «(…) a narração de histórias é algo que o cérebro faz de forma natural e implícita. Essa narração implícita criou o nosso eu e não deve surpreender que esteja tão disseminada por todo o tecido das sociedades e das culturas humanas.» (Damásio, 2010:359)

 

Leitura orientada:

MENDES, Anabela 2015, Dactiloscrito, Revisitação à orgânica conceptual trabalhada por António Damásio em O Livro da Consciência com aplicação ao comportamento humano em artes performativas

Leitura recomendada:

- DAMÁSIO, António 2010, O Livro da Consciência. A Construção do Cérebro Consciente, Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores (excertos).

 

Vídeo (3’46) do espectáculo Nowhere do coreógrafo e bailarino Dimitris Papaioannou

http://vimeo.com/100021239