Empatia dentro e fora de cena

29 Setembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Optámos hoje por dedicar o nosso tempo ao 5º capítulo da obra Como Sentimos… de Giovanni Frazzetto e que debate a questão da empatia.

A avançada experiência do neurocientista em matéria de conhecimento teatral e de espectação permite-lhe opinar de modo fundamentado sobre a compreensão emocional do mundo em que vivemos, como o reconhecemos e como o integramos na nossa experiência individual e na relação com os outros.

Partindo da frase: «A empatia é a espinha dorsal da nossa vida social», Frazzetto explica como a nossa atividade neuronal, em particular, os neurónios-espelho, mas também outras partes constitutivas do cérebro, como a área de Broca e a amígdala, são capazes de simular reacções empáticas de natureza simples ou mais complexa. Aquilo que acontece no nosso comportamento vivencial geral acontece também em relação ao modo como nos comportamos quando espectamos arte, nomeadamente artes performativas. A empatia está em cena e fora dela.

Frazzetto destaca neste capítulo a metodologia stanislavskiana e da Escola de Teatro de Moscovo na aprendizagem do actor como criação consciente através de processos de repetição de natureza física, de modo a alcançar uma sequenciação de emoções relacionadas com a experiência directa do actor. Paradoxalmente, alcançar o carácter convincente da representação leva o actor a debater-se com um misto de realidade e ficção que compõem esse mesmo acto em desenvolvimento na construção das suas personagens.

O facto de atribuirmos (os actores e nós como espectadores) realidade a uma situação ou ao decurso de uma acção não deve excluir deste processo a componente autobiográfica nem as afinidades pessoais que são relevantes para o processo de espectação. O que para uns é totalmente inserível num contexto real, para outros adquire gradações diversas dentro e fora desse parâmetro. Daí o neurocientista referir que «No teatro, a fronteira entre realidade e ficção é porosa.»

Num plano estético e político, habilmente desligado da empatia, encontramos Bertolt Brecht e a sua proposta de trabalho com o actor tornada numa fonte de ensinamento para o espectador. O processo de criação de distância, para o qual é gerada uma palavra nova, em alemão – Verfremdungseffekt –, tem origem na expressão do Formalistas Russos - приём отстранения priyom otstraneniya que Brecht importa para a sua concepção de teatro.

A observação das experiências teatrais em Moscovo, nos anos 30 do século passado, e o contacto directo com a Ópera de Pequim contribuem de sobremaneira para a desfamiliarização de forma e conteúdo da representação teatral. Apesar disso, o procedimento utilizado por Brecht é desde sempre familiar à narração de histórias, lendas e mitos como, por exemplo, defende Walter Benjamin no seu ensaio O Narrador – Reflexões sobre a obra de Nikolai Lesskov.

Ainda a propósito do capítulo 5º da obra de Frazzetto questionámo-nos acerca do carácter real ≠ ficcional nas manifestações artísticas de performance na actuação de Marina Abramovic e as diversas regiões cerebrais que são activadas em manifestações afins.

A especificidade da tragédia grega na óptica aristotélica e subsequentes apropriações da sua Poética levaram-nos a Gotthold Ephraim Lessing e à sua Dramaturgia de Hamburgo, na perspectiva de tradução do termo Terror, para o qual Lessing defende que este seja substituído por Temor mais adequado, na sua perspectiva à compreensão da tragédia burguesa. Ocupámo-nos finalmente do significado alargado de Catarse na perspectiva teatral e médica.

 

Leitura recomendadas:

- BARRENTO, João (Selecção, tradução, introdução e notas) 1989, Gotthold Ephraim Lessing Sobre a Tragédia (1756) in: Literatura Alemã Textos e Contextos (1700-1900), Volume I: O Século XVIII, Lisboa: Editorial Presença, 105-108.

-BENJAMIN, Walter 1992, O Narrador – Reflexões sobre a obra de Nikolai Lesskov, in: Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa: Relógio D’Água, 27-57.

- FRAZZETTO, Giovanni 2014, Como Sentimos – O que a Neurociência nos pode – ou não – dizer sobre as nossas emoções, Lisboa: Bertrand Editora, pp. 15-56; 57-97; 98-137; 176-213.

- MENDES, Anabela, Notas para uma sociologia das artes do espectáculo – Reflexão sobre a utilização de parâmetros cognitivos aplicados a públicos de teatro e outras artes in: Maria Helena Serôdio (dir.), Sinais de Cena 17, Junho de 2012, 60-69.