Natureza e Arte: Darwin/Ekman e outros e um exemplo - Kathakali

13 Outubro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Recuperámos a matéria discutida a propósito da construção de um espectáculo de Kathakali, dando prioridade ao exercício que o actor desenvolve na preparação do rosto como elemento de comunicação artística e narrativa. Contámos para isso com pesquisa do aluno Tiago Silva.

Interrogámo-nos, uma vez mais, sobre veracidade e aplicabilidade dos princípios darwinianos na sua obra A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, recuperando exemplificação de diferenças no âmbito de comportamento cultural e civilizacional.

Sem querermos contrariar as seguintes palavras de Darwin, na obra em estudo: «Os movimentos da expressão na cara e no corpo são, independentemente da sua origem, muito importantes para o nosso bem-estar.» (p. 335) verificamos que a preocupação do naturalista inglês vai no sentido de salientar, através da constância e repetição dos movimentos fisionómicos e corporais e respectiva musculatura, a capacidade de comunicação entre o ser humano e outros seres humanos, entre animais e entre humanos e animais. Mas o nosso bem-estar (acrescentaria aqui também mal-estar) não depende apenas da expressão das emoções que com outros partilhamos ou que perante nós mesmos exibimos.

Darwin defende ainda que a expressão de um rosto ou um gesto poderão ser mais verdadeiros do que palavras (p. 335), associando esta afirmação ao facto de que uma certa imprevisibilidade da comunicação expressiva e de movimento do corpo estar associada a um tipo de comunicação – a não-verbal – que não deixa por isso de conjugar elementos inatos á espécie, hereditários, aprendidos individual e colectivamente na relação do corpo com o cérebro.

O espectáculo de Kathakali propõe uma leitura complexa da intervenção artística sobre a estrutura natural do corpo humano potenciando as suas capacidades emotivas e cognitivas justamente através de uma linguagem não-verbal, no que aos bailarinos-actores diz respeito.

Com Paul Ekman tivemos a oportunidade de recuperar um perfil histórico do estudo sobre a espécie humana na sua relação biológica com outras espécies animais. No polo oposto a Darwin e a precedê-lo encontramos a teoria Criacionista dominante na cultura ocidental até ao séc. XIX. O percurso darwiniano evolucionista inspira-se, por seu lado, em autores como Herbert Spencer e Jean-Baptiste Lamarck, mas também nos estudos morfológicos de Goethe, eles próprios produto de outras influências. A saber: a taxonomia de Lineu que ordena as plantas a partir de sinais exteriores das mesmas, o reconhecimento da necessidade de uma lei fundamental que ajudasse a ordenar a variedade de formas do reino vegetal proposta por Rousseau e todo o percurso de uma Viagem a Itália (Setembro de 1786 e Abril de 17888) que o autor alemão empreende e durante a qual chega à ideia visionária da possibilidade de existência de uma planta originária (Urpflanze) que correspondesse a uma matriz que por sua vez fosse capaz de abarcar a unidade de um reino (neste caso o vegetal) e de a dar a ver em toda a sua plenitude.

O caminho com as plantas frutificará em Darwin com o estudo das espécies e das suas manifestações e emoções.

A influência em Darwin do naturalista Alexander von Humboldt parece ter sido bem mais vasta do que aquilo que Darwin aplicou aos seus estudos de anatomia, biologia e antropologia. Essencialmente o modelo de viagem de Humboldt pela América do Sul (1799-1805), retira ao engenheiro de minas alemão a condição mais comum na época de cientista de laboratório, exemplo em que Darwin se baseia e que é interiormente determinante na sua viagem intercontinental no Beagle (1831-1836), permitindo-lhe observar in loco as espécies autóctones e ao mesmo tempo catalogá-las de seguida sob uma perspectiva comparatista. Humboldt e Darwin revelaram-se cientistas de terreno o que em muito valorizou a compreensão das suas investigações e relatos e ao mesmo tempo deu deles uma perspectiva mais humanizada e plural perante o seus leitores.

 

Leituras recomendadas:

- DARWIN, Charles 2006, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, trad. José Miguel Silva, Lisboa: Relógio D’Água, 163-179, 217-231, 233-257, 321-337.

- EKMAN, Paul (ed.) 2006, Darwin and Facial Expression. A Century of Research in Review. Cambridge (MA) / Los Altos (CA): Malor Books, 223-256.

- MENDES, Anabela, Notas para uma sociologia das artes do espectáculo – Reflexão sobre a utilização de parâmetros cognitivos aplicados a públicos de teatro e outras artes in: Maria Helena Serôdio (dir.), Sinais de Cena 17, Junho de 2012, 60-69.

- ZARRILLI, Phillip B. 2000, Kathakali Dance-Drama – where gods and demons come to play, London & New York: Routledge, 72-80.

 

Pequeno vídeo sobre execução de movimentos no rosto por actor de Kathakali

https://www.youtube.com/watch?v=xGMRmoR7GPk