O espectador em foco

6 Outubro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

Abertura do Diário de Bordo de cada um na espectação de duas produções artísticas sugeridas em Setembro: Fahrenheit 451 de Ray Bradbury adaptado e dirigido por Pedro Alves para o Teatromosca, apresentado no Teatro do Bairro (22 a 24 de Setembro, 1h20m) e Vortex Temporum, espectáculo de dança da coreógrafa belga Anne Teresa De Keersmaeker sobre a partitura homónima de Gérard Grisey, Culturgest (29 e 30 de Setembro, 1h).

Esta experiência revelou-se muito rica pela autenticidade dos testemunhos apresentados e pela diversificação dos pontos de vista defendidos. Pudemos comprovar pela primeira vez em estudos de caso a condição única de cada espectador em relação à matéria espectada, a partir de circunstâncias pontuais que despoletam o fluir da própria escrita: pequenos instantes de memória afectiva convocados não se sabe como, ou que talvez pudéssemos melhor conhecer se inquiríssemos de modo mais detalhado os seus autores; conhecimento do dispositivo cénico e pronunciamento sobre o mesmo de forma justificada; manifestação de interesse ou desinteresse condicionado pelo grau de dificuldade que interfere no envolvimento emocional e cognitivo suscitado pelas propostas artísticas, entre outros.

Defendemos de forma polémica, a propósito de Vortex Temporum, que a relação com os objectos artísticos adquire um sentido próprio que está directamente dependente de aprendizagem associada às linguagens específicas em que esse objecto se manifesta e é representação, mas também defendemos que a arte ou artes em questão podem suscitar e suscitam manifestações de empatia em espectadores desarmados. Estiveram em discussão efeitos dissimilares para o cérebro humano estimulado pela música harmónica e pela música espectral, sendo que esta última se revelou menos familiar para os alunos pela sua atonalidade.

Deixámos em resguardo as leituras seleccionadas da obra A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais de Charles Darwin e contrapusemos-lhe o início de uma representação de um espectáculo de Kathakali (Estado de Kerala, Índia). Esta manifestação artística baseia-se em termos formais na articulação de várias artes, sendo a mais exigente delas aquela que diz respeito ao trabalho de domínio sobre a musculatura do rosto. Os artistas-bailarinos começam a aprender a exercitar-se na arte de Kathakali com 7 ou 8 anos.

 

Mencionámos, como atalho a aulas anteriores e a propósito de algumas páginas disponibilizadas da Dramaturgia de Hamburgo de Gotthold Ephraim Lessing, o valor histórico e cultural da iniciativa deste dramaturgo e polemista, enquanto defensor da ideia de Teatro Nacional para a Alemanha do século XVIII. No âmbito de um pensamento iluminista assumido em prol de uma língua única para um tapete territorial parcelado em 325 Estados, Lessing defendia uma reforma do teatro como instituição que disseminasse pelo maior número de Estados possível uma cultura teatral com lugar próprio que contribuísse para a formação de um público burguês esclarecido.

 

 

Leituras recomendadas:

- DARWIN, Charles 2006, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, trad. José Miguel Silva, Lisboa: Relógio D’Água, 163-179, 217-231, 233-257, 321-337.

- MENDES, Anabela, Notas para uma sociologia das artes do espectáculo – Reflexão sobre a utilização de parâmetros cognitivos aplicados a públicos de teatro e outras artes in: Maria Helena Serôdio (dir.), Sinais de Cena 17, Junho de 2012, 60-69.

DVD pré-visionado:

MARGI, Thiruvananthapuram (agrupamento) 2008, Kathakali, DVD, Legendas em inglês, 1h 29 min.