O filme dos nossos filmes

25 Outubro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Visionamento de Taste of Shirin (2008), documentário de Hamideh Razavi sobre como Kiarostami organizou estrategicamente o seu filme, criando alguns quiproquós ao espectador que vai ao cinema para se distrair e passar uns bons momentos. Shirin dificilmente poderá ser interpretado por esta pauta e é por isso que há espectadores entediados e a perguntarem-se qual o interesse de passar quase duas horas a olhar para rostos de outros espectadores. A história contada e representada através de vozes e de iluminuras, o que não chega para quebrar a eventual monotonia do filme. A nós interessa-nos tudo: a história de amores persas multiseculares; a escuta de uma língua que não compreendemos mas que nos faz chorar e rir como a nossa, independentemente das legendas; uma partitura de sons que cria exactamente o ambiente de que a história precisa; uma plateia de espectadoras e alguns espectadores esparsos cujos rostos contemplamos.

O que terá levado Kiarostami a considerar este filme como o seu último, mesmo continuando a realizar outros, como consta do livrinho que acompanha o DVD? Shirin o filme-testamento. É como se tudo o que constitui a essência de um filme perdesse a importância perante a energia viva dos que o vêem. E isso não faz parte do código a que nos habituámos e continuamos habituados quando vamos ao cinema. A presença real do espectador na sala de cinema não importa ao filme que está a ser projectado.

As actrizes iranianas a meio-corpo são as suas próprias histórias e a de Shirin porque os desgostos de amor são universais. Com elas está Juliette Binoche, de cabeça coberta, mas com alma europeia. Este pequeno gesto confere ao filme de Kiarostami um simbolismo único, tão único quanto é a ideia que ele desenvolveu. Espelhamo-nos nos rostos das actrizes e nos seus gestos e movimentos pontuais que nos dão a ver o que elas sentem, mesmo que preparadas para tal.

Ser espectador de espectador filmado pode ser uma forma de espreitarmos por uma fresta sem voyeurismo. Ambos passaremos a conhecer os nossos papéis. Ambos procuramos o que não vemos naquilo que vemos. Ambos nos interrogamos sobre um filme que não existe.  

 

Do filme visionado

KIAROSTAMI, Abbas, Shirin, DVD, 2008, em farsi com legendas em inglês, 91 min. acrescido do making of de Hamideh Razavi.