O problema está no método

24 Novembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Iniciámos o nosso diálogo através da leitura das primeiras páginas do primeiro capítulo da obra O Mestre Ignorante que a seguir sujeitámos a discussão. Pareceu-nos adequado recuar à fundamentação do pensamento de Rancière sobre o Espectador Emancipado tomando como caminho exactamente aquele que o filósofo escolhera: contar com brevidade um episódio na vida de Joseph Jacotot.

 O que lemos dizia então respeito a uma história invulgar que acontecera de facto a Joseph Jacotot, professor de literatura francesa, em tempo posterior à Revolução. Estando o professor em Lovaina, em 1818, foi desafiado por alunos universitários que tinham ouvido falar dele como um professor estimulante, a dar-lhe aulas, mesmo desconhecendo eles a língua francesa. A língua materna destes jovens era o neerlandês.

Perplexo com o convite, Jacotot decidiu que era preciso encontrar uma metodologia que conduzisse a que os estudantes e ele tivessem em comum alguma coisa. Seria através desse interesse que poderiam trabalhar juntos. Escolheu então o professor um romance do séc. XVII, da autoria de Fénelon, intitulado As Aventuras de Telémaco, editado na altura numa edição bilingue. Este romance de natureza didáctica ocupava-se da educação de Telémaco essencialmente de uma perspectiva política e moral, embora recuperasse o universo mítico da figura do herói, próprio das narrativas gregas. Telémaco era filho de Ulisses e de Penélope e integra a Odisseia como um lutador por causas justas.

Esta episódica aventura, cheia de possibilidades de interpretação a vários níveis como, por exemplo, a aprendizagem de uma língua estrangeira, a descoberta de horizonte novos a partir de um exercício de tradução, mas também a aprendizagem de uma consciência política não dissociada de uma consciência artística, permite a Rancière defender que o método socrático de aprendizagem pode encontrar no exercício da pedagogia liberal uma alternativa credível.

O espectador emancipado ganha inspiração no sucesso da experiência de Joseph Jacotot. É assim que chegamos a uma passagem do ensaio sobre o espectador em que Rancière defende: «Os artistas como os investigadores, constroem a cena na qual a manifestação e o efeito das suas competências se expõem e se tornam incertos nos termos do novo idioma que traduz uma nova aventura intelectual. O efeito do idioma não pode ser antecipado. Exige dos espectadores que desempenham o papel de intérpretes activos, que elaborem a sua própria tradução para se apropriarem da «história» e dela fazerem a sua própria história. Uma comunidade emancipada é uma comunidade de contadores e tradutores. (p. 35)

 

Leituras recomendadas:

- RANCIÈRE Jacques 2010, O espectador emancipado, tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro.

- RANCIÈRE, Jacques 2010, O Mestre Ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelectual, Ramada: Edições Pedago, pp. 7-24.