Resultado da 1ª avaliação por teste. A fusão entre corpo - mente - cérebro. É pelo coração que nos emocionamos num espectáculo?

17 Novembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Teve lugar a entrega do primeiro teste de avaliação de conhecimentos, o qual não só foi comentado em termos gerais como também foi alvo de apreciação individualizada. A conversa personalizada não alcançou todos os alunos, sendo a mesma retomada e concluída no início da próxima aula.

 

Ainda Damásio pela última vez em reflexão sobre a questão da mente.

Será que podemos entender como pacífico que o coração não é o lugar das emoções? Quando assistimos a um espectáculo artístico, muitas vezes mencionamos que o coração bate mais depressa, que ficamos afogueados, que um rubor nos enche as faces. Terá isto então só a ver com o coração? Sabemos que este órgão é um músculo que bombeia sangue através do sistema circulatório, o que significa que afinal todo o nosso corpo participa dessa manifestação que começámos por relacionar empaticamente com o coração.

Talvez seja também para nós peculiar que a mente humana e a sua espiritualidade tenham origem num órgão físico: o cérebro. Damásio e outros neurocientistas defendem que o cérebro, para além de ser um órgão físico, processa informação que pode ser lida e interpretada através de tecnologia computacional. Os tais mapas a que Damásio se refere constantemente, ao longo do seu livro, e as imagens daí resultantes conferem ao cérebro não a condição de misterioso órgão mas denunciam antes a sua complexidade. As interacções cerebrais das células nervosas são em número elevadíssimo, assumem uma variedade inesgotável. Como nos informa Damásio: «(…) os mapas cerebrais são a base das imagens mentais, o cérebro criador de mapas tem o pode de introduzir, literalmente, o corpo como conteúdo no processo mental. Graças ao cérebro, o corpo torna-se um tema natural da mente.» (119-120)

Podemos agora perguntar-nos como é que a mente adquire conhecimento do mundo? Que parte da mente diz respeito ao que herdámos dos nossos antepassados comuns e dos nossos familiares? As funções mentais inatas obrigam-nos a uma experiência do mundo invariável? Que mudanças físicas ocorrem no cérebro quando aprendemos e recordamos? Como é que uma experiência que dura poucos minutos se pode tornar numa memória para toda a vida?

Estas perguntas dizem respeito a tudo em que estamos envolvidos e que somos no decurso de cada dia e no tempo das nossas vidas. Elas aplicam-se essencial e particularmente à nossa actividade espectante de obra de arte performativa e permitem-nos compreender que aquilo que parecia ser apenas assunto da metafísica ou da filosofia especulativa se tornou objecto, e um muito interessante, da pesquisa experimental.

Quer isto dizer que a mente humana na sua tessitura molecular está sempre a construir-se a partir de tão simples e rotineiros pormenores como os que tecem os nossos dias, ao mesmo tempo que se aventura pelo conhecimento abstracto proveniente de uma equação matemática ou da observação da estrutura e propriedades dos objectos celestes no universo, ou ainda, num gesto comum às nossas áreas de interesse, nos coloca numa sala de espectáculos, numa igreja, num anfiteatro ao ar livre com o objectivo de nos lançar na procura de uma atitude intencional (Damásio, 121) relativamente ao que nesses lugares espectamos e que se produz como arte.  

Importante é ainda o que Damásio refere no que ao corpo diz respeito e à sua relação com o meio exterior. O que ao corpo acontece é registado por mapeamento no cérebro e é através deste que a mente se relaciona com o mundo, com e para lá do sujeito. Essa relação propiciada pelo corpo inicialmente mas que opera como uma constelação indissociável (corpo-cérebro-mente), que se constrói como circularidade ininterrupta e sem que nos apercebamos verdadeiramente do seu funcionamento, é, como refere Damásio, «(…) a resolução do problema da consciência. » (Damásio, 122)

Decorre ainda desta interacção aquilo a que Damásio chama «os sentimentos corporais espontâneos» e «as emoções e os sentimentos emocionais» (Damásio, 122) que se processam entre o corpo e o cérebro sem que a mente disso se aparte. E afinal toda esta totalidade e unidade é profundamente compartimentada. Somos vísceras, somos pele, somos glândulas, circula em nós sangue e linfa. Damásio recorda-nos que na antiga Grécia o termo psyche, a que hoje se associa a palavra mente mas também a palavra alma, queria dizer «o sangue, o ar que respiramos e as funções viscerais» (Damásio 124-125) O tal movimento circular que antes enunciámos processa-se numa direcção e na sua inversa. Corpo e cérebro mantêm-se sempre em diálogo com a cumplicidade da mente, manifestam-se intero e exterocepcionais. (Damásio, 128)

Volto a perguntar de outra forma: O coração é o lugar das emoções?

 

 Leitura recomendada:

- DAMÁSIO, António 2010, O Livro da Consciência. A Construção do Cérebro Consciente, Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores (excertos). 260-262; 136-137; 331-353; 118-123.