Um crânio, um cérebro, uma mente, um corpo. O actor e o espectador.

3 Novembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Dedicámos o nosso tempo à leitura e comentário de documento de minha autoria - Revisitação à orgânica conceptual trabalhada por António Damásio em O Livro da Consciência com aplicação ao comportamento humano em artes performativas. Através deste documento recuperámos alguns dos pressupostos sobre o que distingue e é próximo no comportamento do actor e do espectador a partir da relação corpo-cérebro. Para o efeito houve recurso sistemático ao que António Damásio defende na sua obra O Livro da Consciência.

Na secção 1 procurámos que a leitura nos conduzisse a um princípio orgânico geral que afirma ser o funcionamento e interacção corpo-cérebro, tanto para o actor como para o espectador, um ponto de partida comum. Ambos se encontram funcionalmente em pé de igualdade. No entanto, o espectador ficará refém por opção do desempenho do actor e daquilo que ele lhe propuser como representação. Isto significa que o processo de consciência do acto de representar tem em cena um primeiro movimento que se repercutirá sobre o espectador e ao qual este passará a reagir. O grau de consciência do espectador perante o espectáculo não será nunca idêntico ao do actor pela especificidade de cada um dos desempenhos.

Na secção 2 ocupámo-nos do comportamento de um hipotético espectador entre outros espectadores antes do início do espectáculo. O desenho mental como ocorrência individual e colectiva estabelece-se como uma espécie de ensaio para o que a seguir irá acontecer, embora sob a perspectiva de um conjunto de regras e convenções que determinam a preparação da sala para o espectáculo. O grau de atenção do espectador neste cenário poderá mostrar maior dispersão porque os estímulos visuais e sonoros manifestam uma certa repetição. Não existe uma história comum a ser contada, não se verifica a existência de conflitos continuados, não há opositores e aliados, não nos concentramos numa linguagem específica, em diversas linguagens, afinal, que constroem a cena do espectáculo a que vamos assistir.

Na secção 3 foi recuperado o paradigma do actor como aquele a quem cabe a responsabilidade de dar o primeiro passo dentro, mais uma vez, de um quadro de convenção. No entanto, e independentemente desta prorrogativa, actor e espectador espelham a mesma matriz de funcionalidade cerebral, facto assinalado com a ajuda do discurso damasiano. (Damásio, 2010: 369-370) Improvável parece ser, porém, o quadro de questões que se colocam ao actor antes de entrar em cena e que não encontram réplica no espectador: «Mas o que pensará e sentirá o performer / actor enquanto espera pelo início do espectáculo? Em que medida os que o guardam se sentirão aguardados por ele? Como conjuga e articula ele a memória de criação e construção do espectáculo? Onde cabem os seus medos de que não sobre a outra parte? (Damásio, 2010: 89-90; 92-95)

Na secção 4 introduzi a apresentação de um exercício de preparação do actor, de apelo à memória, à concentração e à consciência do corpo e da mente. Através dessa experiência pudemos perceber que os actores, a quem fora solicitado que descrevessem com minúcia todas as acções e movimentos realizados desde que acordavam até se deitarem, tinham reagido com sofrimento e resistência, desistindo mesmo alguns, sem se aperceberem de que o excesso de consciência não favorecia a ultrapassagem de rotinas adquiridas ao longo da vida. Este exercício fazia parte de uma série de propostas utilizadas por Stanislavski no livro A preparação do actor (1936), especificamente mencionadas no cap. V – Concentração da atenção, secção 7, 121-123 (PDF na Internet) e que Konrad Zschiedrich, encenador e professor alemão treinou connosco.

Na altura, princípio dos anos 80, não estávamos despertos para os conhecimentos da Neurociência e por isso as nossas respostas eram limitadoras da compreensão do fenómeno. Hoje faz todo o sentido que tomemos como verdadeiras e plausíveis as palavras de António Damásio: «O cérebro que se preocupa com o corpo, é, na verdade, um prisioneiro do corpo e das suas informações.» (Damásio, 2010: 155) E ainda: «(…) os cérebros inteligentes ão profundamente preguiçosos. Sempre que possível fazem menos em vez de mais, uma filosofia minimalista que seguem religiosamente.» (Damásio, 2010: 156)

Voltando ao actor e ao espectador verifica-se que existe uma diferenciação de grau na exposição do primeiro em relação ao segundo e isso é importante para a compreensão da função de cada um deles, ainda que estejam ambos biologica e neuronalmente apetrechados de modo idêntico.

Na secção 5 verificámos o que já conhecemos sobre o gabinete de cartografia que cada um possui e que nas Artes do Espectáculo corresponde à sua multiplicação atenta e confluente para um objectivo comum. Mapear neste caso torna cada cérebro num instrumento de uma grande orquestra que nos permite alcançar uma específica música das esferas, imagem antiga de uma harmonia a que só a nossa espécie tem acesso.

Na secção 6 convocámos Hamlet para um jogo com a morte e a vida através de um crânio vazio. De repente e por efeito da linguagem e da representação esse crânio enche-se de massa encefálica e torna-se palpitante. Que sabia Shakespeare de Neurociência?

 

 

 

Guardámos para a próxima aula a secção Breve epílogo.

 

Leitura orientada:

MENDES, Anabela 2015, dactiloscrito, Revisitação à orgânica conceptual trabalhada por António Damásio em O Livro da Consciência com aplicação ao comportamento humano em artes performativas

Leitura recomendada:

- DAMÁSIO, António 2010, O Livro da Consciência. A Construção do Cérebro Consciente, Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores (excertos).