De como as formas se libertam

9 Outubro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Teremos mais uma vez de agradecer aos vossos colegas Paulo Martins e Mariana Vieira pelo apoio que nos têm dado em digitalizações de partes do livro Bauhaus de Magdalena Droste e que constituem referência geral e de contexto de época para um melhor entendimento desta Escola. É também função destas digitalizações apoiar o direccionamento para o trabalho de artistas já antes mencionados e que iremos estudar de forma mais directa. É o caso, por exemplo, de Wassily Kandinsky, de quem temos em mãos o ensaio Sobre a questão da forma, publicado em 1912 no Almanaque O Cavaleiro Azul. Apesar de ser um texto anterior à entrada de Kandinsky na Bauhaus, o que só viria a ocorrer em 1922, é um facto que o pintor russo dele se socorre para exprimir aos seus alunos o valor que tem uma decisão que deles brote de forma livre mas a partir de um ímpeto ou «necessidade interior». Esta prorrogativa é exercitada em prol de um objectivo que consiste em tomar consciência da essência das coisas e compreender o fenómeno da abstracção. No curso de Desenho Analítico é isto que Kandisnky procura fazer.

O ensaio que estamos actualmente a estudar propõe três exemplos: o da letra, o do travessão e o do fósforo queimado. Somos convidados a isolar uma «letra» de um texto e passamos a «intuí-la» «com olhos inabituais», «apenas enquanto coisa». Aquilo a que chagamos resulta de um primeiro passo que põe de lado a função «prática» da forma abstracta que é designação permanente de um determinado som» - é uma forma corpórea, que de um modo totalmente independente produz uma definida impressão exterior e interior.»

Refere Kandinsky que, nesta perspectiva a «letra» passa a consistir em duas coisas: 1. Uma «forma principal» inteiramente coincidente com o «fenómeno global»; 2. «diferentes linhas», desenhadas de maneiras diversas e combinadas nesse fenómeno global». A «forma principal» pode surgir como «divertida», «triste», etc. ou seja, pode provocar uma determinada impressão interior». O mesmo sucede com cada uma das «diferentes linhas» que se combinam na «forma principal».

Tudo neste exercício depende do «olhar inabitual». O que o «olhar inabitual» deve pôr de lado é precisamente o … habitual, o hábito, a habituação. O que é o hábito? O hábito é a sempre repetida, sempre reencontrada finalidade instrumental de um objecto.» (Justo, 2003: 71)

Esta nova partitura de entendimento da forma e suas derivações em função de um infinito novo olhar, aquilo a que Kandinsky chama o «olhar inabitual» integra bem o espírito e a concepção da Escola da Bauhaus. Acentua o pintor que o conceito de finalidade de um objecto lhe retira a possibilidade de poder vir a ser outra coisa.

È neste âmbito que nos encontramos por agora, tendo em conta que o exercitar destas propostas características ajudava os estudantes da Bauhaus a desenvolverem capacidades de que antes não tinham a percepção.

 

Tratámos de forma breve de aspectos relacionados com o Expressionismo na pintura, com mostração de imagens e comentário às mesmas, defendendo que Kandinsky não é um expressionista nato, se bem que se tenha servido de alguns pressupostos inerentes a esta corrente estética. Mencionámos a complexidade e variedade de posições artísticas no Expressionismo, explicámos o contexto político-social dominante neste período (1910-1920) na Alemanha, e terminámos a exemplificação com leitura de dois poemas:

Pequena Sécia de Gottfried Benn, um poema sobre uma autópsia, e Ango laïna de August Stramm, um chamado «poema absoluto» que explora o estrato sonoro da linguagem como poesia fonética.

 

Fizemos curta observação da presença expressionista em pintura rupestre. De salientar que os nossos antepassados de há 40.000 e 60.000 anos não tinham qualquer formação nem aprendizagem escolarizada e, no entanto, foram prodigiosos nas suas representações plásticas.

 

Leitura recomendada

BARRENTO, João s.d.. Expressionismo Alemão – Antologia Poética, Lisboa: +Atica, p. 249. Para efeito de citação.

BARRENTO, João 1989. A poesia do Expressionismo Alemão, Lisboa: Editorial Presença, p. 84-85. Para efeito de citação.

DROSTE, Magdalena 2019. Bauhaus – A hundred years of Bauhaus, updated edition, Berlin: Bauhaus Archiv, pp. 130-149 e pp. 298-303.

JUSTO, José, Kandinsky e o Espírito. Três deambulações a propósito de «Fósforo Queimado, in: Anabela Mendes, 2003, Noite e o Som Amarelo de Wassily Kandinsky, programa-livro do espectáculo, Lisboa: CCB, p. 71.

 

Endereço recomendado

https://pt.euronews.com/2016/07/08/as-obras-de-arte-mais-antigas-do-mundo-na-gruta-chauvet-em-franca