O concreto da arte abstracta

23 Outubro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                      4ª FEIRA                                          11ª Aula

 

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Considerámos a realização de um pequeno exercício colectivo com apresentação oral individual a partir da observação de conchas e búzios trazidos por mim para a aula. A tarefa pareceu surgir com alguma estranheza e a sua concretização foi esforçada. No entanto, o objectivo deste jogo pretendia, por um lado, pôr os alunos em contacto com objectos naturais, casas de seres vivos que já se lá não encontravam mas que continuavam a ter vida entre os dedos dos seus observadores. E essa vida resultava da percepção de formas e de desenhos, de cores e de texturas abstractos específicos de cada concha ou búzio. Assim poderíamos defender que a forma abstracta está na Natureza desde sempre e continuará a estar. Aquilo que atribuímos como condição específica da arte não figurativa – a liberdade plena de organizar formas, cores, movimento, repouso, conteúdos, materiais -, de um modo irrepetível e que podemos não reconhecer à primeira vista, recebe como inspiração o mesmo lastro (a Natureza) que a todos nos serve de modelo para a realização de obra artística independentemente dos seus princípios estéticos e correntes.

O exercício destacou, por outro lado, que cada aluno ou aluna, ao fazerem a sua apresentação do objecto que não haviam escolhido mas que lhes calhara casualmente (retirado de um saco apenas por contacto), se lhes manifestava conhecido. E este conhecimento derivava do facto de conchas e búzios, também pequenas pedras, fazerem parte da experiência visual e táctil de cada um. Mas a este contexto quase todos associaram uma expressão comum: Faz-me lembrar… A recorrência a esta frase introdutória era sinal de muita coisa que em cada um despertava como memória de materialidade que cada objecto passava a conter no acto de apropriação e manuseamento. Quase sempre as referências eram concretas e derivavam dos gostos e interesses individuais. A ideia de arte abstracta que quiséramos ensaiar com o nosso acto lúdico nascia da Natureza concreta e que em nós fez florescer o sentido de liberdade interpretativa.

 

Quisemos a seguir testar a nossa capacidade abstraccionista-concretista dando início ao visionamento de obra cénica de um outro artista da Bauhaus – Lothar Schreyer. Este dedicou-se à experimentação da visualidade do corpo como máscara total, o que determinou para o espectador da época um completo distanciamento das figuras em cena. Por isto, Lothar Schreyer, o primeiro director do palco da Bauhaus (1919-1921) foi condenado a um certo ostracismo que se projectou ainda na sua tentativa de entender e organizar a linguagem como uma categoria musical.

A peça que estamos a visionar é um bom exemplo. Intitulada Homem (Mann, 1920), esta obra cénica associa a linguagem, constituída por palavras soltas com intencionalidade poemática, aos outros elementos em cena como se se tratasse de uma notação musical. Este processo acontece como se fosse uma sequência onomatopaica, sob a forma de um recitativo. O som da fala exige dos actores em cena um processo de treinamento em busca da «sonoridade interior» de cada um. A dificuldade de realizar esta exigência pedida pelo encenador, que se inspirava em Kandinsky, levou a que muitos dos estudantes da Bauhaus que trabalhavam no atelier de teatro e nas representações pedidas pelos Mestres fizessem saber a Schreyer que não iriam prosseguir nos ensaios. Tal não chegou a acontecer em termos definitivos, mas é compreensível que os jovens estudantes não desejassem ser meros objectos em cena a quem era retirada a capacidade de se movimentarem livremente. Defendiam os mesmos que não queriam representar na qualidade de seres desindividualizados.

A dificuldade em fazer passar junto dos seus discípulos a ideia de que o espaço cénico correspondia ao espaço do cosmos, de certo modo um princípio também herdado de Kandinsky, levou Lothar Schreyer a abandonar a Bauhaus em 1923.

 

 

 

DVD em visionamento

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Lothar Schreyer, Edition Bauhaus, 50 min. língua alemã e língua inglesa, 2014.