Oskar Schlemmer e o inacabamento

13 Novembro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

NOVEMBRO                                   4ª FEIRA                              16ª Aula        

 

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Dedicámos a aula de hoje ao visionamento e comentário de obra cénica de Oskar Schlemmer (1888-1943) realizada durante o período da Bauhaus.

O artista plástico já antes conhecido pela sua actividade desenvolvida no âmbito do design, da escultura, da pintura, da cenografia e também de figurinos, em Estugarda e Berlim, aceita em 1920, ano do seu casamento com Helena Tutein, o convite que lhe foi endereçado por Walter Gropius para dirigir o atelier de pintura de parede na Escola da Bauhaus. Algum tempo depois Schlemmer assume ainda como Mestre da Forma a tutela dos ateliers de escultura em pedra e em madeira.

Dotado de tantas capacidades artísticas, Oskar Schlemmer é convidado a orientar, entre 1923 e 1929, o atelier que se dedicava às artes de palco e isto na sequência da estreia do seu Ballet Triádico, em 1922, em Estugarda.

Perguntarão: de que trata afinal esta produção? Já antes ouvíramos falar de Ballet Mecânico criado por Kurt Schmidt. Não é com certeza a mesma coisa.

O Ballet Triádico tem como derivação um exercício de dança criado para três bailarinos em sequências divertidas que alternam com outras de índole mais séria.

Apelidados por Schlemmer como Figurinos, os artistas em palco na sua modelação corporal adaptavam-se e treinavam a percepção do uso de figurinos excêntricos através dos quais demonstravam a condição plástica desses materiais e suas formas na relação com o espaço cénico.

Era objectivo de Oskar Schlemmer recriar o Teatro a partir da dança e da pantomima, o que tentou frequentemente desenvolver, ainda que não tivesse deixado obra finalizada. O que restou do seu trabalho artístico nesta época foram projectos que puderam ser reconstruídos a partir de informação de arquivo e de carácter muito experimental. Nunca saberemos verdadeiramente qual a dimensão que as suas obras para palco poderiam ter alcançado. De certo modo, as propostas de reconstrução a que temos vindo a assistir neste contexto (lembro o caso do meticuloso guião de Kandinsky para Quadros de uma Exposição) têm em Oskar Schlemmer a presença do inacabamento por opção. E isto não significa que não houvesse profissionalismo no trabalho deste artista plástico ou falta de exigência para com os seus intérpretes.

A defesa da ideia de uma obra sempre em progressão estava não só relacionada com o forte experimentalismo das experiências que realizava com os seus bailarinos, dando prioridade à articulação dos mesmos com o espaço e a partir da imaginosa criação de figurinos, como também dependia muito directamente das condições de financiamento dos seus projectos. A crença do artista de que melhores dias viriam, levava-o a sucessivos adiamentos de conclusão de trabalhos na esperança em melhoramentos dos mesmos.

Curiosa e paradoxalmente Oskar Schlemmer não concebia que qualquer dos seus trabalhos não tivesse alcançado uma condição final. O que ele defendia é que cada produção continuava a ter potencialidades para vir ao encontro de mais desenvolvidas expectativas e nesse sentido cada criação na sua forma parcelar ou conjunta mantinha em aberto a sua continuação.

Esta metodologia e este ideário, que aliás estão documentados em inúmeros desenhos, esquissos, maquetes, cadernos que anunciam variações e revisões de trabalhos realizados ou a realizar, associam-se a outras formas de registo que têm sobretudo na correspondência e em textos preparados para as aulas do atelier de artes cénicas da Bauhaus um poderoso arquivo. Estes materiais demonstram e acentuam a condição vanguardista da figura do inacabamento na obra de Schlemmer e a sua assunção como desígnio.

O que pudemos acompanhar e em observação em aula foram reconstruções realizadas na década de 60 do século passado por Margareta Hasting (aluna dilecta de Mary Wigman) e que nos mostram dança abstracta sob a égide do concreto, isto é, os corpos dos bailarinos adquirem presença e visibilidade mas nunca correspondem a uma ideia de realidade a ser imitada. O que acontece é que de forma deliberada a presença humana em cena tem a função de salientar a essência da artificialidade que o bailarino ou bailarinos podem desenvolver relativamente ao espaço em que se inserem e de como este interage com os próprios intérpretes.

Aquilo a que Schlemmer dava prioridade nestas pequenas produções experimentais eram as diversas posibilidades de leitura da “presença do ser humano no espaço”. É também desta perspectiva que em alguns trabalhos do Mestre da Bauhaus podem aparecer marionetas e autómatos com o propósito de codificarem o desenho coreográfico em cena, de modo a afastá-lo da facilidade com que o movimento natural é parte íntegra da condição anatómica e biológica do ser humano. Esta opção que procurava alienar do palco o que caracteriza os indivíduos na sua capacidade de movimento tinha nas máscaras e nos figurinos aliados potenciais que produziam transformação imediata sobre a compreensão naturalista dos rostos e corpos. Schlemmer referia-se aos seus bailarinos como “figuras artísticas” e não como “pessoas que dançam.”

Deste ponto de vista os espectáculos criados por Oskar Schlemmer eram produções que associavam a dança à música e aos figurinos desfamiliarizando a memória do ballet clássico ou a expressividade da dança de época. Em seu lugar assistimos à criação de formas abstractas sem despersonalização dos intérpretes mas recorrendo a atributos que os transformam na sua plasticidade e natural autonomia.

A proposta de visionamento de Mensch und Kunstfigur (Ser humano e Figura artística), que não é título de coreografia de Oskar Schlemmer mas antes uma espécie de manual de carácter teórico-prático, contém diversos pequenos trabalhos para palco do artista alemão.

Vimos em conjunto Metal Dance, Space Dance, Form Dance, Gesture Dance (a única coreografia com som humano ainda que distorcido em muitos dos seus momentos), Pole Dance, Hoop Dance, Flat Dance, Game of Bricks, Choir of Masks.

O conjunto destes pequenos apontamentos de dança é, como expliquei em aula, uma reconstrução a partir dos materiais deixados por Schlemmer. Objectivamente o que é proposto consiste numa transferência dos vários exemplos de dança para um mundo de cor ou a preto, que transporta em si um imaginário rico através do espaço, objectos, figurinos, máscaras, desenho de luz, música, sonoridades com significado em contexto, tudo agenciado pelos próprios performers. Nos exemplos visionados o que se procura é criar interpretação muito próxima sobre o inacabamento como ideia estética e que caracterizou o artista. A estranheza das pequenas peças dançadas e coreografadas pontua um universo de época, por vezes reconhecível, mas amplamente aberto para que nos sintamos implicados nos jogos cénicos propostos.

 

DVD visionado

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Oskar Schlemmer, Edition Bauhaus, 27 min.,  Objecto fílmico reconstruído por Margarete Hasting (1969). Língua alemã, língua inglesa na legendagem inicial de cada coreografia, 2014.

 

Endereços electrónicos sugeridos

https://www.bauhaus100.com/the-bauhaus/people/masters-and-teachers/oskar-schlemmer/

https://performatus.net/estudos/oskar-schlemmer/