Mito e Modelo - questionamentos

13 Outubro 2020, 15:30 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

AULA ZOOM

 

O filme documental com o título em português de Modelo e Mito, comportou, entre outras coisas, uma série de entrevistas a antigos alunos da Escola Bauhaus, a professores, como o contributo de Walter Gropius, com o intuito de referenciar experiência e vivência de mais de uma década em Weimar, Dessau e Berlim.

Curiosamente este filme homenageia, desde o primeiro momento, a nova construção arquitectónica, o que aliás corresponde ao interesse dominante presente nos curricula da Bauhaus. Mas ele também se abre a outros traços fundamentais que caracterizaram este projecto pedagógico, artístico e político irrepetível na sua forma original. Este é o caso, por exemplo, também na abertura do filme, da chegada de dois antigos alunos, uma mulher e um homem, já avançados na idade, e cujo percurso até à entrada no edifício da Bauhaus em Dessau, se faz através do caminhar de costas em direcção à porta de entrada do edifício. Este imóvel foi reconstruído entre 1996-2006 e é hoje a sede da Fundação Bauhaus-Dessau.

Aquilo a que assistimos é uma pequena performance artística com dois protagonistas em sintonia e cumplicidade. Ela acompanha o desempenho dele, abrindo-lhe o espaço para que ele vá deixando pelo chão peças de vestuário, como se estivesse a marcar o território, qual recuperação do conto tradicional que bem conhecemos, A casinha de chocolate. Trata-se de um simbólico regresso a casa, lugar de rememoração feliz. Mais do que este fortuito episódio, porém, o que desponta daquilo que observamos é a extraordinária alegria e capacidade libertadora do velho aluno que assim invoca a experiência passada como um tempo gratificante.

Poderíamos continuar a analisar o filme até ao seu derradeiro momento que iriamos encontrar muitos outras passagens que inspiram o modelo geral da Bauhaus distribuído por todas as disciplinas ensinadas e que marcam o discurso dos intervenientes escolhidos. A Escola, sendo uma espécie de excrescência no seio da sociedade alemã mais conservadora dessa época, procurava estabelecer com essa mesma sociedade todos os vínculos possíveis (projectos de construção, divulgação e venda de objectos, exposições várias, publicações, espectáculos de teatro e dança) como forma de credibilizar e financiar o que se fazia entre muros.

Enquadrando este processo, a Bauhaus queria ser ponte entre o que a Escola produzia e o que poderia melhorar a qualidade de vida das pessoas. A estas se destinavam casas e espaços que proporcionavam bem-estar, inspirado numa estética feita de simplicidade, funcionalidade, economia, com materiais sólidos e resistentes, mas também de grande leveza, e onde a presença da luz entre o interior e o exterior criava harmonia de presença, onde o desenho de formas dominava como uma nova realidade e conforto.

Inovar era um dos objectivos centrais do modelo de ensino da Bauhaus e que até então não tinha paralelo em outras escolas, mesmo considerando as diversas influências estético-políticas que marcavam o trabalho científico e pedagógico da Escola. E este objectivo talvez tenha sido aquele que se revelou transversal a todas as áreas que a Bauhaus experimentou. Correr riscos e falhar era tão valorizado quanto encontrar soluções. Aprendizes e mestres apoiavam-se mutuamente no espaço de conflitualidade natural próprio de opções e ideias que tinham como alvo humanizar a vida do cidadão comum.

A Bauhaus nas suas três moradas de resistência à adversidade procurou sempre fazer frente àqueles que não compreendiam a Escola e dela tinham medo. Foi sobretudo a convicção criada entre todos os intervenientes na Escola, de ambos os sexos, e que orientava a progressão deste projecto singular e livre (ver algumas das fotografias publicadas em Magdalena Droste) que veio a consolidar os laços afectivos mas também as rupturas que fizeram da Bauhaus experimentação de vida e arte.

Os testemunhos dos antigos alunos e professores neste filme têm a função de abrir a Escola ao exterior através dos pequenos e grandes acontecimentos que a constituíram. Tornada modelo para gerações futuras em diversos países, a Bauhaus converteu-se também em mito para a própria Alemanha no pós II Guerra Mundial, como um exemplo de aprendizagem democrática e multidisciplinar. Mas a posteridade apropriou-se ainda do mito à sombra dos mestres que se exilaram principalmente nos Estados Unidos da América e que aí continuaram a ensinar segundo os princípios da Bauhaus.

Recorrer às narrativas em primeira mão e aos arquivos essencialmente fotográficos estabelece contraponto com a filmagem de planos de cidades modernas e contemporâneas nas quais a Bauhaus se atravessa, distinta no seu traçado. Aqui se juntam modelo e mito, ambos presentes de pleno direito. E são ainda modelo e mito as inspiradas conversações daqueles que dão/deram rosto à Escola nas suas rememorações. O filme-documentário é de velhos para novos. Provavelmente já todos morreram, ficando deles uma memória grata, por vezes divertida, também esse um legado que poderemos preservar. Mito e modelo são a postura ética e social que a Escola nunca perdeu.

 

Das artes associadas ao teatro, à dança, à pintura, ao desenho, aos têxteis, com desenvolvimento teórico, faremos selecção para lá deste filme propedêutico.

Razões relacionadas com o encurtamento do período escolar levaram-nos a fazer opções, opções essas que também estão associadas ao trabalho a realizar com professores convidados. Assim, daremos prioridade à dança e, em particular, à questão da forma e do movimento. Para o efeito foram escolhidos textos teóricos e reflexão coreográfica do artista plástico Wassily Kandinsky (1866-!944), trabalho artístico da bailarina e coreógrafa Gret Palucca (1902-1993) e actividade plástica, coreográfica, de figurinos e concepção teórica de Oskar Schlemmer (1888-1943).