Da mitologização ao modelo irrepetível

2 Outubro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

Iniciámos o nosso trabalho estabelecendo um paralelo entre o que cada um dos filmes vistos nas aulas anteriores poderia mostrar em relação ao assunto a que se dedicavam: a BAUHAUS. Este exercício de sistematização de diferenças e correspondências, a cargo do mesmo realizador, Niels Bolbrinker, derivava de pedido aos alunos para, de memória, recuperarem o essencial de ambas as obras e as estratégias utilizadas.

O primeiro filme, com o título em português de Modelo e Mito, comportava, entre outras coisas, uma série de entrevistas a antigos alunos da Escola, a professores como Walter Gropius, com o intuito de referenciar experiência e vivência de mais de uma década em Weimar, Dessau e Berlim.

Curiosamente este filme homenageia a construção arquitectónica desde o primeiro momento, o que aliás corresponde ao interesse dominante entre os curricula da Bauhaus. Mas ele também se abre a outros traços fundamentais que caracterizaram este projecto pedagógico, artístico e político irrepetível na sua forma original. Este é o caso, por exemplo, também na abertura do filme, da chegada de dois antigos alunos, uma mulher e um homem, já avançados na idade, e cujo percurso para entrarem no edifício da Bauhaus em Dessau, reconstruído entre 1996-2006 e lugar da Fundação Bauhaus-Dessau, caminham de costas em direcção à porta de entrada do edifício.

Aquilo a que assistimos é uma performance artística com dois protagonistas em sintonia e cumplicidade. Ela acompanha o desempenho dele, deixando-lhe espaço para ir deixando pelo chão peças de vestuário, como se estivesse a marcar o território. Um conto tradicional que bem conhecemos, A casinha de chocolate, embora noutro contexto, poderia sinalizar o desempenho. Mas mais do que este fortuito episódio, o que desponta do daquilo que observamos é a extraordinária alegria e capacidade libertadora do velho aluno que assim invoca a experiência passada.

Poderíamos continuar a analisar o filme até ao seu derradeiro momento que iriamos encontrar muitos outros momentos que inspiram o modelo da Bauhaus. A Escola, sendo uma espécie de excrescência no seio da sociedade alemã dessa época, não parava de querer estabelecer com essa sociedade vínculos sólidos e duradouros, especialmente com as pessoas a quem desejava proporcionar bem-estar e a quem queria desvendar uma estética feita de simplicidade, funcionalidade, economia, uso de materiais sólidos mas agenciadores de leveza, criação de luz entre o interior e o exterior, criação de um design identificador em todas as áreas e artes. Inovar era parte de um modelo de ensino que até então não tinha paralelo. E esta era a sua função primeira, pois essa inovação assentava na experimentação, no erro e no desalento, na conflitualidade própria da multiplicidade das ideias, na resistência à adversidade dos que não compreendiam a Escola e dela tinham medo. Mas sobretudo é na convicção criada entre todos os mestres e aprendizes, de ambos os sexos, e que orientava entre eles a progressão do projecto e a consolidação dos laços afectivos como experiência de vida e de arte.

Os testemunhos dos antigos alunos neste filme têm essa função. E essa função converte-se numa espécie de mito para a posteridade. Recorrer às narrativas originais e aos arquivos que sobreviveram terá tido por certo a função de querer repetir o que antes acontecera. Tal não foi o caso, embora possamos identificar, mundo fora, a inspiração da Bauhaus. Talvez aquilo que possa orientar o mito seja a postura ética e social que a Escola nunca perdeu.

E é por isso que o segundo filme – Da construção do futuro-100 anos da Bauhaus - coloca questões relacionadas com a miséria de lugares onde vivem pessoas que achamos têm o direito de habitar em casas que as aconcheguem e lhes tragam felicidade. Nesse sentido os ensinamentos da Bauhaus original prevalecem e indicam modos de resolver situações disfuncionais.

Das artes associadas ao teatro, à dança, à pintura, ao desenho, à teoria também, trataremos para lá dos filmes propedêuticos vistos. Talvez a rever por cada um graças ao apoio desinteressado do vosso colega Paulo.

 

 

Leitura recomendada

DROSTE, Magdalena 2019. Bauhaus – A hundred years of Bauhaus, updated edition, Berlin: Bauhaus Archiv, pp. 130-149 e pp. 298-303.

KANDINSKY, Wassily 1998. Sobre a questão da forma in: Gramática da Criação – Antologia de artigos apresentados por Philip Sers, Lisboa: Edições 70, pp. 13-37.

 

Filmes visionados

BOLBRINKER, Niels, TIELSCH, Thomas (s. d.), Vom Bauen der Zukunft – 100 Jahre Bauhaus (Da construção do futuro – 100 anos da Bauhaus), 90 min., alemão e inglês, arte edition.

STUTTERHEIM, Kerstin e BOLBRINKER, Niels, 2009, Bauhaus – Modell und Mythos, ARTE edition. 104 min., alemão e inglês. 50’, s. d.